6 de janeiro de 2016

Valter Lemos
AS PRESIDENCIAIS NO TEMPO DAS PEQUENAS COISAS

VIVEMOS AINDA UM TEMPO DE PEQUENAS COISAS. E AS PRESIDENCIAIS SÃO O REFLEXO DISSO.
De acordo com a moda antipolítica que tem lugar há alguns anos na comunicação social, nos comentadores e nas redes sociais as eleições presidenciais têm sido naturalmente desvalorizadas e até comparadas em alguns jornais a torneios menores de modalidades desportivas bizarras. O argumento principal não deixa de ser interessante para quem tanto combate o pretenso excesso de poder dos políticos: o presidente tem pouco poder, não decide quase nada e só pode influenciar. Ora a democracia assenta precisamente numa divisão do poder e num controle mútuo do seu exercício, pelo que o regime semipresidencialista português, em que o poder executivo está no Governo e o seu controle se faz pelo Parlamento e pelo Presidente da República, parece equilibrado e, aliás, disso tem dado provas.Por isso é de saudar uma voz como a de Freitas do Amaral que veio, ao arrepio da moda, dizer que as presidenciais do ponto de vista político são tão importantes como sempre foram e que o balanceamento de poderes no regime tem funcionado bem e mostrado equilíbrio.
Alguns desvalorizam com o argumento de que já estão decididas, face aos resultados das sondagens que dão significativa vantagem a Marcelo Rebelo de Sousa. Também aqui o argumento não colhe porque as eleições nunca estão decididas antes dos votos (e por vezes até depois, como as recentes legislativas mostraram, ainda que semelhante questão não possa colocar-se nas presidenciais). Por outro lado nos confrontos esquerda/direita nas presidenciais a primeira saiu vencedora maior número de vezes, sendo que a direita só ganhou com Cavaco Silva (em que um episódio de divisão do PS, que agora se repete, muito contribuiu para tal resultado).
Sendo pois falaciosos os argumentos mais usados para desvalorizar as presidenciais, ainda assim as mesmas não têm realmente suscitado grande entusiasmo e empenhamento no país. A primeira razão pode dever-se a um menor empenhamento dos partidos, que acabaram de sair de umas legislativas cujas ondas de choque ainda não terminaram e que se deparam com candidatos que… aceitam mas sem grande entusiasmo. O PCP e o BE por não estarem verdadeiramente a disputar o resultado mas a cumprir calendário de propaganda. O CDS porque Marcelo não é verdadeiramente do seu espaço e nele não é historicamente muito admirado.O PSD porque manifestamente não era este o candidato que desejava como “seu”, dado que Marcelo vale por si e em nada fica dependente do partido. Acresce que, no momento histórico em que o PSD se situa politicamente mais à direita, Marcelo necessita, para ganhar, de conquistar parte do centro esquerda e de fazer, portanto, uma campanha algo crítica da ação do governo anterior e do discurso eleitoral do PSD, mesmo que para tal tenha, por vezes, que se contradizer, o que, aliás, não lhe costuma criar grandes dificuldades. Finalmente o PS, porque tendo dois candidatos, nenhum deles colhe a simpatia e a adesão da maioria dos seus militantes e simpatizantes. Maria de Belém porque, apesar de ter sido presidente do partido com Seguro, nunca teve, nem no Governo, nem no Parlamento, suficiente reconhecimento de mérito próprio que a tornasse uma figura política com dimensão mais do que mediana. Passa muito a ideia que tal candidatura pretende simplesmente beneficiar do estatuto de mulher, num tempo em que passa muito a ideia que seria o tempo adequado para colocar pela primeira vez uma mulher na presidência. Ora o argumento podendo ser suficiente para alguns não o é certamente para outros. No caso de Sampaio da Nóvoa a ausência de currículo político é um sério handicap. Do ponto de vista da personalidade e do currículo profissional Nóvoa agrada a muitos simpatizantes do PS, mas, o facto de não ter exercício de mandatos políticos, nem nacionais nem sequer autárquicos, cria uma névoa de desconfiança. Ninguém nasce para a política aos sessenta anos (e até o facto de ter passado a usar, neste contexto um “nome de guerra” diferente do que usava no contexto profissional e institucional – António Nóvoa, parece apontar um “renascimento”).E a esquerda desconfia mais de perfis antipolíticos ou apolíticos do que a direita. É evidente que o próprio não se apresenta nesses termos e defende-se com a argumentação, racional aliás, de que a ação institucional também é ação política, ainda que não partidária. Mas não é suficiente para afastar a desconfiança, ainda para mais tratando-se do mais alto cargo político da República.
Por estas e outras razões as eleições presidenciais não suscitam realmente o entusiasmo e empenho da maioria dos portugueses. Mas, tal facto é de lamentar. Estas eleições deveriam catalisar hoje as nossas energias para discussão do futuro do país a médio prazo. Da existência ou não de um desígnio ou um projeto nacional para as próximas décadas. As legislativas centraram-se somente no curto prazo e nas sequelas da crise. Importante, sem dúvida, mas manifestamente insuficiente. Portugal precisa hoje, mais do que nunca nos últimos trinta anos, de uma discussão nacional com vista a encontrar um objetivo, um projeto, uma ideia que seja expressão da ansiedade e da esperança dos portugueses e na qual possam colocar as suas expetativas e energias. Vivemos ainda um tempo de pequenas coisas, de mediania e de pouco alento. E as presidenciais são o reflexo disso.

06/01/2016
 

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