Valter Lemos
ENSINO SUPERIOR: AINDA A POLÍTICA DO PRECONCEITO
O Ministro do Ensino Superior veio, há alguns dias, em reuniões com docentes de Institutos Politécnicos mostrar-se aberto a discutir a possibilidade de estes virem a conferir doutoramentos, exclusiva ou designadamente em áreas profissionais. Depois, de acordo com a comunicação social, veio dizer que não o pretende fazer.
Lamenta-se. Não só a contradição do ministro, como as justificações que terá apresentado. Segundo o Público as mesmas assentariam na necessidade de “reforçar as missões especificas” de cada um dos subsistemas de ensino superior.
Nada me move contra o ministro por quem, aliás, tenho grande consideração pessoal e política, mas é tempo de dizer que já não há paciência para esta hipocrisia política. Afinal, basta perguntar: Em que é que o facto de realizar doutoramentos em áreas profissionais altera a “missão específica” do ensino superior politécnico? Tal facto não reforçaria essa tão propalada “missão específica”? Então a formação de carater profissional se for curta reforça a “missão específica”, mas se for avançada, já não reforça? Nem sequer se esses programas de doutoramento forem conjugados com a universidade?
É também importante dizer que a questão nada tem a ver com a desejada diversidade do ensino superior, porque promover a diversidade não pelo estímulo à inovação, mas por restrições e condicionamentos administrativos e burocráticos assentes em diferenciações de origem e não em critérios meritocráticos, é salazarismo puro e duro!
Bem menos preconceituoso se mostrou o presidente da agência de avaliação de ensino superior (A3Es) que referiu não ver problemas à realização de doutoramentos pelos politécnicos, nas suas áreas de formação, desde que cumprissem os critérios de rigor adequados (supõe-se que semelhantes aos que são requeridos às universidades).
Como é evidente a qualquer alma de intenções transparentes, a realização de doutoramentos deve estar condicionada (como em regra em todo o mundo civilizado) ao cumprimento de critérios científicos e técnicos exigentes e rigorosamente definidos e não somente a um qualquer preconceito sobre as instituições de ensino superior). Hoje, aliás, o país dispõe já de um dispositivo para avaliar cursos e formações no ensino superior, a A3Es, que, apesar de eventuais criticas, dá garantia de cumprimento dos critérios (a não ser que o ministro duvide disso).
Não se percebe, pois, a posição do ministro até porque há hoje provas concretas da inconsistência objetiva da mesma. A base SCOPUS constitui a maior base de dados de literatura cientifica a nível mundial. Nela podemos ver conferir o número de publicações cientificas referenciadas por cada instituição, em cada ano. Assim e apesar de muitas publicações dos docentes e investigadores dos politécnicos serem contabilizadas nas universidades, em virtude de aqueles integrarem os centros de investigação destas, temos em 2015;
-Univ. de Évora (que tem diversos doutoramentos) - 451
Politécnico do Porto (que não tem) – 564
-Univ. dos Açores (que tem doutoramentos) – 201
Politécnico de Bragança (que não tem) – 239
-Univ. Católica (que tem doutoramentos) – 111
Politécnico de Viseu (que não tem) – 113
-Univ. Lusófona (que tem doutoramentos) – 72
Politécnico de Castelo Branco (que não tem) – 80
-Univ.Lusíada (que tem doutoramentos) – 15
Politécnico da Guarda (que não tem) – 36
E a lista poderia continuar: U Madeira – 173 / IP Leiria – 183; U Aberta – 111 / IP Setúbal 147; U Fernando Pessoa – 101 / IP Viana do Castelo – 107.
Aliás, há, pelo menos, uma universidade (Lusíada - 15) que tem menos referências do que qualquer politécnico (incluindo os que têm menos, Santarém e Portalegre – 20).
Estes dados mostram bem o preconceito que tem orientado a política de ensino superior em Portugal. Esse preconceito é institucional, mas é também social, porque os politécnicos servem maioritariamente as regiões mais carenciadas e as classes sociais menos privilegiadas, como provam os números da ação social escolar. Os politécnicos têm sido de uma importância incalculável para a democratização da educação, para a coesão territorial e para a coesão social. E a resposta política tem sido quase sempre o preconceito, que, repito, não é só organizacional, é de natureza social.
Por isso é tão lamentável que este governo o venha reproduzir.
Esperava-se que o atual governo promovesse a diversidade pelo estímulo à inovação e à meritocracia e não se limitasse à reprodução acrítica do sistema.