Maria de Lurdes Gouveia Barata
OH! A TERRA MOLHADA ILUMINADA!
A chuva veio durante três dias (incompletos) para dessedentar levemente os campos e para encantar os nossos olhos da saudade que dela tínhamos. Apareceu doce, teve depois alguns momentos agressivos, nos intervalos encheu de gotas as folhas verdes das árvores, gotas redondinhas, transparentes, benfazejas, gotas dependuradas em fileirinha nos fios, as gotas da chuva de grande ausência, por isso tão desejada, Gotas de varinha de condão de fadas boas em que se liam poemas de terra fértil.
Já Outubro se tinha quase esgotado e as nossas vestes de Verão fartavam de tanto uso seguido. E ainda há os que não acreditam em alterações climáticas?! É só sentir, nem é preciso ouvir alguém ou ler um estudo, duvidando sempre. É só sentir e acreditar nos cientistas que têm provas sobre o assunto. O planeta estremece, uma enorme ameaça ambiental espreita o século XXI e, se a Natureza geme, o homem gemerá também. Se sempre houve mudanças climáticas naturais, a aceleração das que se constatam ultimamente responsabiliza os homens. Há acordos, tentativas de fazer face ao problema, mas parece que o cumprimento de compromissos não é devidamente concretizado. Impressionou-me sobremaneira saber que o gelo do Árctico, que está a derreter devido ao aumento da temperatura do planeta, revelou um perigo: nesse gelo têm estado presos vírus e bactérias que se pensavam erradicados, havendo outros desconhecidos. Devem estar em alegria de liberdade próxima… O derretimento traz em si a ameaça de doenças, lembrando-nos a devastação de epidemias do passado, lembrando-nos, para exemplo, de uma amaldiçoada peste negra do século XIV, com a consequência de dizimar mais de um terço da população da Europa. E houve outras, muitas outras.
E o futuro? O homem não pode pensar pequenino, pensar num futuro dentro do seu período de vida, tem de pensar em bisnetos, trinetos e mais para a frente, pensar no futuro da humanidade que integra. Os vírus e bactérias adormecidos durante séculos e séculos numa camada de gelo que parecia indestrutível estão aí à espreita para ocuparem casa nova: o corpo humano. Mais uma notícia demonstrativa: em 2007 “ cientistas descobriram o vírus da gripe espanhola de 1918 vivos em cadáveres enterrados [no gelo] em valas comuns relativamente perto da superfície”. Mais notícias afins e assustadoras há sobre o possível regresso à vida destes agentes assassinos, quando a temperatura aumenta.
Comecei com o gosto dos dias de chuva recente, com gotas cristalinas agarradas a frutos em crescimento e o lápis levou-me para o desencanto do planeta em perigo, devido a alterações climáticas – as que são provocadas pela inconsciência humana. Vou terminar com palavras de poetas, primeiro Alberto Caeiro:
UM DIA DE CHUVA
Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.
Os dias de chuva e os dias de sol existem ambos. Mas que faremos se um deles deixar de existir? Ambos se acasalam em beleza e fertilidade.
Palavras de Sebastião da Gama, primeira estância do poema «Poesia depois da chuva» (Pelo sonho é que vamos):
Depois da chuva o Sol - a graça.
Oh! a terra molhada iluminada!
E os regos de água atravessando a praça
- luz a fluir, num fluir imperceptível quase.
(…)
E eu continuo com a lembrança daquela chuva correndo, correndo nas bermas da minha rua…