29 de março de 2017

Carlos Semedo
TELEMÓVEL OU A IMPOSSIBILIDADE DO SILÊNCIO

Gritos, grunhidos e gestos. Tudo indica que terão sido os primeiros instrumentos de comunicação usados pelo Homem. A pictografia foi utilizada uns milhares de anos antes de Cristo. No séc. XI, na China e, posteriormente, com Gutenberg, a imprensa mudou radicalmente a forma de comunicar. Já no século XIX, o telégrafo possibilitou a comunicação quase instantânea, a grandes distâncias. Um pouco mais tarde, surge o telefone com fios, que foi sendo melhorado tornando-se um instrumento fundamental para a Humanidade. Recordo-me perfeitamente quando um colega meu, professor no Conservatório Regional, me mostrou um telemóvel, que tinha no automóvel. Era uma coisa enorme, com uma bateria que competia com a do carro, mas tinha lá em potência o fascínio da comunicação sem fios. Ou quase… A rede era extremamente limitada, os equipamentos muito caros e, claro, pesados. Nos últimos quinze anos, o telemóvel transformou-se num aparelho tão importante que quase se pode considerar uma extensão do braço e das mãos. Dotado de poderosas capacidades de comunicação áudio e vídeo, esta máquina confunde-se, hoje, com um computador e invadiu o quotidiano de uma forma que, arrisco, não tem paralelo na história humana.
As vantagens do telemóvel são inquestionáveis, contudo creio que a máquina está a tomar conta dos nossos comportamentos e atitudes e a colocar em causa elementos importantes do quotidiano. Descansem, não vou traçar um cenário catastrófico, do género “bota de elástico” ou “no meu tempo é que era”. Trata-se de uma inquietação crescente relativamente à forma como o telemóvel nos domina, muitas vezes inconscientemente.
Há uns tempos atrás, fui convidado para participar num espectáculo de dança, organizado por uma escola da cidade. A música escolhida pela professora foi Runaway Babe, de Bruno Mars. Fui ao youtube para a ouvir e encontrei um vídeo do artista, salvo erro, em Paris, no qual o público está, como acontece em imensos concertos, de telemóvel no ar a filmar. A dada altura, o artista diz em inglês (tradução livre): ponham a m. dos telemóveis em baixo e façam algum barulho!
No outro dia, na apresentação de um livro, na Biblioteca Municipal, para além da habitual barulheira dos telemóveis a tocar desavergonhadamente durante a sessão, pelo menos duas pessoas atenderam os mesmos e falaram quase como se estivessem na rua. Note-se que não se tratava de adolescentes ou crianças.
No cinema e em espectáculos é habitual verem-se pessoas a escrever mensagens, navegar na internet e há casos enigmáticos de pessoas que passam mesmo a maior parte do tempo agarrados ao telemóvel.
Acontece que estes são sintomas de uma dificuldade brutal em focalizar a atenção numa só coisa, não permitindo de todo que a sua fruição seja plena. Para além deste efeito perverso, o saltitar permanente da atenção, impossibilita que o tempo seja sentido de outra forma que não seja fragmentada e, na maior parte das vezes, caótica.

29/03/2017
 

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