Valter Lemos
É A ECONOMIA E A EDUCAÇÃO…
A incapacidade das forças políticas portuguesas procurarem medidas adequadas ao desenvolvimento equilibrado e equitativo das várias regiões do país é já não só preocupante, como até revoltante.
Desde os pavorosos incêndios que este verão (e outono) varreram o centro do país que a palavra “interior” voltou ao léxico dos políticos e dos comentadores. As lamentações foram constantes, as críticas às políticas de desenvolvimento regional e territorial seguidas nas últimas décadas foram intensas, os apelos a novas políticas de apoio e discriminação positiva foram-se sucedendo e algumas vagas promessas foram articuladas.
Presidente da República, governo e oposição estiveram juntos nesse coro, ainda que, por vezes, discordando sobre causas e efeitos. Mas, passado este tempo, quais as mudanças propostas ou anunciadas em termos de políticas públicas para o desenvolvimento do interior? Várias medidas foram tomadas para socorrer as famílias e as comunidades atingidas pela tragédia. Governo e sociedade civil mobilizaram-se para tal e há, naturalmente, resultados de tal mobilização. Mas, quanto a propostas de medidas estruturais, conhecemos alguma coisa?
Agradecemos e enaltecemos genuinamente o carinho do Presidente Marcelo, as preocupações do primeiro-ministro e os alertas dos lideres dos diversos partidos, mas, na verdade, quanto a medidas estruturais no sentido de uma política de equidade para o interior do país temos “uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”.
A incapacidade das forças políticas portuguesas olharem com “olhos de ver” e procurarem medidas adequadas ao desenvolvimento equilibrado e equitativo das várias regiões do país é já não só preocupante, como até revoltante. O paternalismo bacoco dos comentadores lisboetas nos media indigna qualquer conhecedor das situações.
A história mostra que os diversos governos têm, ao longo do tempo, um discurso politicamente correto sobre o problema, mas uma prática que tem oscilado entre a negligência e o paternalismo, com alguns momentos de aldrabice.
O atual governo até tentou ir um pouco mais longe do que os anteriores, criando uma Unidade de Missão para o Interior, mas, passados estes dois anos o que resta da mesma não é uma proposta política nacional articulada com base numa perspetiva de equidade para o desenvolvimento regional e territorial, mas uma mera missão operacional de gestão do apoio às comunidades vítimas dos incêndios.
Será assim tão difícil desenhar e implementar uma política de desenvolvimento sustentado e sustentável para as regiões mais débeis e mais desertificadas? Apetece repetir aquela famosa afirmação: “é a economia, estúpido!” O que torna mais débeis e mais humanamente desertificadas as regiões é a sua falta de competitividade económica. Assim qualquer política orientada por princípios de equidade terá que assentar em medidas de discriminação positiva ao nível da carga fiscal das empresas e dos designados “custos de contexto” - a burocracia, os transportes, as comunicações, etc. Por outro lado, para que tal política seja sustentável é necessário garantir estruturas consistentes de qualificação e desenvolvimento dos recursos humanos e tecnológicos ou, dito de outro modo, promover o ensino superior e técnico e a formação, desenvolvimento e investigação aplicada.
Foi isto que pensou Veiga Simão, em 1973, quando criou o ensino superior no interior do país, e o Banco Mundial, no início da década de 80, quando financiou a construção de uma rede de ensino superior politécnico nas várias regiões. Terá sido também isto que um ou outro governo, terá pensado quando tomou medidas de benefício fiscal às empresas do interior ou tentou diminuir os respetivos custos de contexto (não pagamento de portagens, por exemplo), mas, de qualquer modo sempre de forma pontual e não com uma política articulada e sustentada a prazo.
Dirão alguns, na defesa do atual “status quo”, que a UE dificulta tratamentos fiscais diferenciados por região, o que até é verdade, mas, diversos países conseguem, ainda assim, ter políticas de diferenciação regional assertivas e eficazes. Criar condições de facilitação à constituição ou fixação de empresas em determinadas regiões é uma dimensão essencial da política de desenvolvimento regional de qualquer país. Por outro lado, a política de ensino superior segue, desde há demasiados anos uma lógica contrária à da sua finalidade de instrumento de equidade social. Tal política assenta numa discriminação negativa das regiões periféricas e das populações com maior debilidade. Dá menos a quem tem menos e mais a quem tem mais, contrariando escandalosamente a finalidade de promoção e transformação social, que até Veiga Simão (antes do 25 de Abril) e as organizações internacionais como o Banco Mundial e a OCDE perceberam melhor do que muitos dos mais recentes atores políticos.
É urgente e essencial alterar estas situações. A consciencialização de que o simples passar do tempo só agrava o problema é indispensável para tal.