15 de maio de 2019

Maria de Lurdes Gouveia Barata
A ROMARIA – O SAGRADO E O PROFANO

Pois nossas madres van a San Simon
de Val de Prados candeas queimar,
nós, as meninhas, punhemos de andar
con nossas madres, e elas enton
queimen candeas por nós e por si
e nós, meninhas, bailaremos i.

Esta primeira estrofe da cantiga de amigo de Pero Viviães, uma cantiga de romaria que no seu valor documental aponta , nesse século XIII, o que ainda hoje perdura: o convívio do sagrado e do profano nas festas de romaria. É esse convívio que dá o sabor da vida que inebria pela própria variedade do que se vive. É velha a tradição das gerações de jovens e mais velhos com intenções diferentes de romagem, que um sujeito poético colectivo – nós, as meninas – denuncia: as mães devem pôr velas (candeas) pelas filhas e por elas próprias, pois as filhas-meninas têm como principal ideia ir bailar. O desenvolvimento da cantiga fala dos amigos (os namorados) que irão lá para vê-las bailar e elas bailarão diante deles formosas, em corpo bem feito, no velho entontecimento da sedução e do amor. E repete-se a acção das mães acendendo as velas…
Romaria é peregrinação com origem religiosa, está ligada à Roma da Igreja Católica Apostólica Romana, tem a ver com devoção em que há pagamento de promessas de agradecimento de graças, ou pedido de graças – tem papel religioso e social, realiza-se em local santo, que se honra com a procura de proximidade em determinada época, habitualmente em cada ano. É local de encontro e de afirmação de fé, juntando-se-lhe a dimensão profana com a música, o baile, as diversões e a feira.
Em várias canções ligadas à romaria persiste esta ideia do sagrado a que se mistura o profano. Persiste também a ideia dos mais jovens que se motivam por sonhos de namoro e de procura de par, sendo o baile um motivo recorrente. Em Nisa, por exemplo:
Fui à Senhora da Graça
P’ra fazer a bailarada
Não apanhei par a jeito
Nem cantei a desgarrada
Eu fui à Nossa Senhora
Para arranjar namorado
Afinal não arranjei
Não era do meu agrado

Não há dúvida que o convívio, saindo do quotidiano habitual, proporciona novas hipóteses de conhecer e amar.
De Proença-a-Velha, uma quadra da Romaria da Senhora da Granja dimensiona a procura do profano e um remorso pela consciência disso:
Nossa Senhora da Granja,
Bem me podeis perdoar,
Vim à vossa romaria
Só p’ra cantar e bailar.

Na obra Portugal de Miguel Torga, em «Um reino maravilhoso (Trás-os-Montes)», as romarias são apresentadas, nesse contexto e num tempo mais recuado, como tendo uma força diferente, mais violenta, mas em que existe também a simbiose de sagrado e profano: «Nas romarias, verdadeiramente, não se divertem. Pagam nelas o dízimo espiritual ao santo ou à santa com quem têm contratos pelo ano fora, e fazem a barrela das suas relações humanas. § A capela da devoção fica no alto do mais alto monte que rodeia a freguesia. E eles sobem então pela serra acima, quer à vara do pálio, quer a alombar o andor, quer de joelhos, a abrir uma chaga de sofrimento no corpo pecador – mas sem tirar os olhos do inimigo com quem hão-de medir forças no arraial. Sobem numa penitência inteira. Ao descer, vêm numa manta, esfaqueados». Seria motivo neste caso para seguir o provérbio boa romaria faz quem em casa fica em paz…embora seguir sempre o provérbio não seja bom conselho…
Castelo Branco viveu agora a sua romaria da Senhora de Mércules e foi o que me inspirou este registo. Dizia-me alguém: este ano ainda lá não fui, mas quero lá ir no último dia para ver o fogo de artifício ! Sinal dos tempos, esse fogo no céu que desenha flores e lágrimas. E depois adormecerá a última estrela da última noite da romaria, que acordará novamente alvoroçada após um ano.

15/05/2019
 

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