Edição nº 1619 - 1 de janeiro de 2020

Valter Lemos
É SÓ SAÚDE…

Na mensagem de Natal o primeiro-ministro só falou de Saúde, repetindo o que já se sabia desde a apresentação do Orçamento de Estado para 2020. A prioridade do Governo em 2020 será a Saúde! Haverá um reforço de 840 milhões de euros no orçamento, dos quais 550 milhões se destinam ao pagamento da dívida em atraso dos hospitais que, de acordo com o Ministério da Saúde, ascende a 735 milhões de euros. Sobram assim cerca de 290 milhões, dos quais 190 se destinam a investimentos em novos hospitais e serviços e, portanto, cerca de 100 milhões serão para as anunciadas novas contratações de 8400 trabalhadores (auxiliares, técnicos, enfermeiros e médicos) e eventuais reforços de despesas correntes.
Sem dúvida que pagar dívidas atrasadas deve ser prioridade para o Estado, até porque elas não deviam existir se o Estado tivesse o comportamento que deveria ter. Mas, percebemos que, afinal, o reforço para o desenvolvimento futuro é bem menor do que o que parece, porque fica, assim, em menos de 300 milhões, o que é menos de 3% do total dos mais de 11 mil milhões do orçamento da Saúde.
A saúde constitui hoje a área de política pública com maior orçamento em Portugal, como, aliás, na maioria dos países europeus.
Na segunda metade do século XX consolidou-se o modelo do Estado-providência na Europa que o batizou de modelo social europeu e inscreveu nos tratados e nas políticas europeias. Este estado social assenta em quatro pilares: educação, saúde, segurança social e justiça. A responsabilização do Estado por estes pilares, provocou uma progressiva e constante subida da despesa pública relativa aos mesmos, atingindo a despesa social total (incluindo proteção social, saúde e educação) mais de 30% do PIB, ou seja, de toda a riqueza produzida no país. Para uma ideia mais concreta pode referir-se que no orçamento de 2019 a despesa dos ministérios correspondentes às áreas referidas é superior a 40 mil milhões (21 mil milhões para a segurança social, 11 mil milhões para a saúde e 9 mil milhões para educação e ensino superior). Mas, enquanto a evolução das despesas em educação atingiu um máximo em 2009/2010, tendo vindo a cair desde aí, nos casos da segurança social e da saúde a despesa continua a crescer.
O crescimento relativo à segurança social deve-se fundamentalmente ao progressivo envelhecimento da população e ao correspondente crescimento da despesa em pensões, além de outros fatores de melhoria da proteção social. O crescimento na saúde deve-se também ao fator envelhecimento, mas, também, ao progressivo aumento de custos dos serviços prestados, provocado pelo desenvolvimento científico e tecnológico do material e equipamentos de diagnóstico, terapêutica e tratamento, qualificação do pessoal, etc.
Assim em 1998 o gasto médio anual por pessoa do Serviço Nacional de Saúde era de 486 euros e em 2017 foi de 989, ou seja, um crescimento de 100% (!!!) em 20 anos. Em 2019 o estado gastará mais de mil euros com a saúde de cada português.
É evidente que se pode questionar se o aumento da despesa é todo devido aos fatores já referidos ou se haverá alguma parte que deva ser imputada à falta de eficiência na gestão do sistema. O funcionamento dos hospitais, a gestão das instalações e equipamentos do SNS, a gestão dos recursos humanos, a relação público-privado, têm tido frequentes e abundantes críticas, diga-se, muitas vezes bem fundadas.
Assim, parece que, alguma parte do contínuo crescimento da despesa, também se poderá atribuir a deficiência de gestão do SNS e dos respetivos hospitais, centros de saúde e outras estruturas. E no que a esse aspeto diz respeito, jogar dinheiro em cima do problema não foi, nem será solução.
No ruído geral da comunicação social e dos diversos atores sociais sobre o assunto não é fácil discernir as razões ou fatores envolvidos, mas, todos os portugueses têm uma crescente sensação de que há problemas com a relação entre público e privado, com a gestão das pessoas e dos equipamentos e designadamente com os obscuros sistemas de recrutamento e seleção do pessoal e designadamente das administrações dos hospitais e outras unidades de saúde. Não consta, aliás, que tenha havido responsabilizações objetivas de administradores, ainda que a comunicação social refira frequentemente ao longo dos anos diversos atos de gestão duvidosa em instituições diversas no país.
É por tudo isto que o anunciado reforço orçamental do ministério da saúde pode ter menos significado prático do que o que seria desejável. Nomeadamente por, pelo menos por enquanto, não estar acompanhado por medidas de melhoria da gestão do SNS que parecem ser desejáveis e necessárias.

01/01/2020
 

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