Edição nº 1630 - 18 de março de 2020

Lopes Marcelo
LIÇÃO VIRAL

Na sociedade actual, à ideia de modernidade está associado o conceito de progresso, de crescimento económico permanente e a todo o custo, o que no limite tem como hipótese e em tese um crescimento infinito que não é possível já que os recursos do planeta são limitados. Por outro lado, tal desejo e percepção só é realidade para uma parte muito pequena da humanidade. Quanto mais se cresce, a vantagem é só para uma pequena parte que fica cada vez mais rica, pois na outra face da mesma moeda, a grande maioria continua pobre. Tem-se instalado o mito de que a tecnologia e a investigação científica tudo resolve, de que com capital tudo se compra, porque tudo se vende. Um mundo onde vale tudo na estratégia de enriquecer. Não dá lucro “ser” mas antes ter, impressionar, consumir, usar e descartar. Numa sociedade em que não se aprofundam os porquês, não se pára para entender as razões profundas com exigência e reflexão, tornou-se normal a aceitação das crises económicas, financeiras e bancárias e até o defender-se que das crises resultam novas oportunidades e mais progresso. Há até, alguns grupos que se julgam com qualidades acima dos outros que, sentados nas suas poltronas se dedicam a jogar na bolsa, nos negócios , entregando os seus capitais a fundos de especulação financeira, ditos de investimento, predadores de empresas e aplicados em tecnologias que delapidam e comprometem os recursos naturais e a segurança climática. E se a Bolsa cai, e a situação fica negra, aqui d´el rei que vem aí mais uma crise e depressão para alguns, mas que é a grande maioria que acaba sempre por pagar. Para os arautos da globalização do dito progresso, tudo é negociável, tudo é comércio e diversão. Mas, com que consequências a médio e longo prazo? Será positivo em termos de civilização? Desfocados da produção de bens e de mercadorias do emprego, das condições de bem-estar das pessoas, é levantada a bandeira da acumulação, quer do capital, quer de bens e serviços supérfluos, coisas materiais, sempre mais coisas e depressa. Então, e a consideração dos sentimentos e os valores imateriais, a memória e a herança cultural? Na ausência de sentimentos desaparecem os alicerces da moralidade e da justiça, como esteios da dignidade humana que de pouco valem serem apenas letra da Declaração Universal dos Direitos do Homem quando, na economia da ganância, se escreve o destino de pobreza para a maioria da humanidade.
Mas, o que tem a ver o título desta minha crónica, LIÇÃO VIRAL, com a reflexão sobre a espuma ansiosa dos frágeis e delicados dias que estamos vivendo? É que, queiramos ou não, há uma lição profunda a retirar desta terrível situação do brutal avanço do coronavírus. Remete-nos para a fragilidade dos alicerces da nossa sociedade e para o valor essencial da vida humana. Derrota os arautos da infalibilidade, do mito da sociedade com resposta para tudo, os famosos e muito ricos vivendo em palácios, os poderosos pela acumulação de capitais, os gestores de sistemas económicos gananciosos, os governantes que gerem modelos de sociedade em que tantas vezes o essencial e a prioridade não têm sido as pessoas. Que, enquanto seres humanos todos somos iguais. Mesmo entre o muito rico e o muito pobre, o artifício da tão propalada diferença, afinal não resistirá a um dia inteiro sem comer nem beber e a uma noite sem dormir! O vírus ameaça todos de igual forma, a fragilidade é igual para todos. Não temos ouvido os decisores políticos afirmar que não havia dinheiro para a educação pública? Para a saúde pública? Para uma mais efectiva solidariedade e justiça social? Contudo, afinal, nos últimos dias tem sido anunciada a disponibilidade de dezenas de milhares de milhões de Euros, quer a nível de cada país, quer a nível de organizações supra-nacionais! É que, quando a prioridade traduz o essencial que diz respeito à vida de todos, não pode faltar a afectação de recursos. Os recursos, a coerência, a identidade cultural, a memória e as lições da história colectiva que não podem ser apagadas ou descartáveis, como tantas vezes acontece. Refiro um exemplo.
Celebrou-se no passado dia oito, o Dia Internacional da Mulher que passou quase despercebido pois muitos interrogam-se: porquê? Para quê? Por desconhecimento ou porque não se pára para entender e respeitar as lições da história colectiva. Nesse dia do ano de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque fizeram greve ocupando a fábrica exigindo a redução do horário de trabalho de mais de 16 horas por dia para dez horas. As operárias que, no seu longo horário recebiam menos de um terço do salário dos homens foram fechadas na fábrica. Declarou-se um incêndio e mais de uma centena dessas mulheres morreu queimada. Em 1910, na Dinamarca, numa Conferência Internacional, foi decidido para homenagear aquelas mulheres, comemorar-se a 8 de Março o Dia Internacional da Mulher. Reflectir e assumir com humildade consciente as lições colectivas da história é a condição base e essencial de esperança num futuro com mais dignidade e justiça para todos.

18/03/2020
 

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