Edição nº 1664 - 11 de novembro de 2020

Antonieta Garcia
ANDAS SEMPRE NA GIRALDINHA!!!

Era assim que minha avó expressava o desagrado que lhe mereciam mulheres adoradoras da rua! De acordo com as regras, usava o reparo, em tom assertivo, sem direito a réplica. Os rostos fechavam-se crispados, a censurada mostrava-se compungida… Para não haver guerra, o melhor remédio era ouvir e calar.
A Giraldinha exigia um tom conflituoso. Porquê? Enigma! Valham-nos os oráculos.
Lembro-me que, sempre associei a Giraldinha a uma “voltinha” que misturava 10% de transgressão, com 90% do prazer de apanhar ar, de andar na “boa vai ela” e, seguindo a real gana, encontrar alguém, conversar… Estas passeatas soavam a amigos, em desacordo total com as malévolas insinuações de desvergonha e maus costumes que se haviam colado à pele da tal Giraldinha /voltinha. Tanto quanto me era permitido conjeturar, ter-se-ia constituído uma espécie de Clube de primas agradáveis, moças ociosas, vadias…, em suma, cachopas que partilhavam entre si, um denominador comum: elegiam a preguiça e o passeio para namoriscar e outros deleites… Benditas horas!
- Andas sempre na Giraldinha! – significava crítica séria e, às jovens, se a repetição ganhava terreno, anunciava penitências e punições severas, antes que o gato fosse às filhós… Dar uma voltinha era, naquele tempo, comportamento rueiro quase sinónimo de desregramento feminino. E a “andar na Giraldinha” penduravam-se manhas, mentiras e medos de mulher.
Afinal, talvez a língua solta e a alma ao léu, tivessem a ver com encantos, paixões, justiças e injustiças de uma moçoila que as crónicas não esqueceram… Protagonizou estórias mais ou menos proibidas? Trocou a submissão pela rebeldia? Desviou-se dos padrões fixados para o feminino? Era uma mulher conhecida, a Giraldinha? Parece que sim. Há uma história que fala de um fado castiço ligado a uma paixão amorosa, de uma jovem contrariada pelo pai e que fugira para Lisboa, a cidade talhada para uma vida de desenlaces plurais.
Nascida na Guarda, Maria Rosa, era a sua graça… Insinuante, bonitona, finória, rueira suscitava argumentação vária: Maria faz por ser boa, que a tua fama longe soa… Quem anda sempre na rua, pouco faz e nada aprende…
O enigma da Giraldinha iluminava-se! O fruto proibido da passeata à Capuchinho Vermelho, tão apetecida, multiplicava o desejo de desobedecer e sair de casa…Elegera um mandamento quase divino que infernizou a vida de quem gostava da Giraldinha: “não há melhor andar do que em casa estar…”! Ora, ora: quem enjeita a Giraldinha, cura certa de enfermidades e semeadora de alegria, de prazer, de gosto de viver?!!
- De onde vens?
Maria Rosa, queria lá saber da cultura patriarcal! Na vida de Giraldinha não desperdiçava danos e furtos, as prevaricações… As entradas, as fugas e as saídas da cadeia contavam com a sua arte; formada em manhas e artimanhas aprendera a ludibriar a polícia e as portas da prisão abriam-se e fechavam-se… Com amores, e coragens saía em liberdade como só ela sabia, só ela sabia…
Reza ainda a história que sobreviveu a muitas malfeitorias. Perguntavam-lhe:
- De onde vens?
- Da Giraldinha! – respondia, rindo.
Nome de mulher, Giraldinha ficou. Companheira certa de farra diz-se num diminutivo que junta afetos.
Ora, não fora a pandemia 2020 e as nossas ruas ganhavam cores, melodias…
Esconjuremos, pois, o COVID 19, bicho severo, draconiano e malévolo. Nem ele calcula como vai ser tão bom voltar a “andar na Giraldinha” e assim!!! ‘Bora lá!

11/11/2020
 

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