Antonieta Garcia
PALAVRAS EM DESUSO…
Há uns meses, um amigo lembrava vocábulos que se foram finando devagarinho por falta de uso. Na verdade, têm nascimentos e fados distintos, as palavras. Algumas contêm gentileza e sorriso; outras são embirrentas e impacientam… as neutras adoentam porque sempre iguais. Falamos de gírias e de calão confinados a obras e autores que, muitas vezes, a designada “conversa de salão” não consente. E se as fronteiras entre o proibido e o aceitável não são lineares, há termos que sobrevivem, mesmo se en-fermiços, outros mudam de sentido e uns tantos descansam em paz… A marginalidade que alguns exibem, lobriga-se à distância. Felizes os que, ocultados durante décadas, ressurgem, salvos por companheiros de muitas gerações, pelos amantes do Verbo.
Vem esta memória a propósito de um encontro com a categorização de mulheres “não recatadas” e “toleradas” que constam em Livros de Assentos de Nascimentos do século XIX. Arcaísmos velhinhos percorreram muitas ruas da amargura... Nesse tempo, o “recato” era a ilustração do pudor, da humildade, dos pensamentos, palavras e obras no feminino… A bondade e a decência vestiam a “recatada” de segredos e mistério; as “não recatadas” alardeavam, sem prudência, leviandade, extravagância e beleza … Passaram, às vezes, a designar-se como “toleradas”, palavra mais consentânea com a hipocrisia que esta abertura, à vida dita-fácil, induzia. Outros sinónimos de prostitutas, “mulher pública”, “rameira”, “meretriz”, “galdéria”, “barregã” ... diziam a “profissão mais velha do mundo”. E se as “não recatadas” e “toleradas” definharam, o registo manteve-se em livros oficiais. São muitas, mesmo muitas as obscenidades que sobreviveram para identificar mulheres que se afastavam dos cânones!
Um “mimo” frequente endossava: - “É uma rueira!” Insulto, dito em falsete, recebia habitualmente respostas em tons agudos e bicudos. Fustigava! A rueira seduzia jovens e velhos, gostava de festins, do baile...
“Serigaita”, outro termo da mesma estirpe, aplicava-se a um tipo de Eva que forcejava a atenção de quem quisesse cativar. Há música na serigaita. Acompanha-a a “gaita” de foles, de beiços, a escocesa, a sanfona… A serigaita é também uma serpente e ergue-se, enrola-se, fazendo jus ao som da sibilante e ao instrumento musical.
À mulher calorosa, assanhada, namoradeira afrontavam-na com o apelido de lambisgoia. E não houve fada que lhe valesse, no fado demoníaco que o nome de batismo lhe traçou...
No masculino, galdérios e serigaitos têm um toque de pecados idênticos aos que expulsaram do paraíso os progenitores da Humanidade. Mas lambisgoia só se diz no feminino.
Na inventariação masculina, há denominações ofensivas, mais mansinhas? “Pangaio” era rapaz mandrião; um “costas direitas” não valia um chavo; o “baila-bonecos” mudava de opinião, conforme lhe dava jeito; o “pipi da tabela” distinguia-se pela vaidade; chamava-se “salta pocinhas” a criatura afetada, de passo pausado e adamado… Somem-se os alfenim cheios de não-sei-que-faça, não-sei-que-diga…
Com “gabirus”, “zíngaros” e outros, todos pertenciam à seita dos “velhacos da quinta casa”, “sacripantas” e “sacristas” que vadiavam em diálogos ácidos, desde o tempo da Maria Castanha. Ultimamente, a deserção de vocábulos tem sido “o da Joana”. São tantas as palavras idosas ou de terceira idade, prestes a enregelar de frio…