José Dias Pires
COMO REGENERAR UMA GERAÇÃO (QUASE) PERDIDA?
Humildade introspetiva é que se nos pede, agora que se aproxima a comemoração de meio século de democracia.
Quatro anos é muito tempo. Tempo suficiente para arrepiar caminho.
Declaração de interesses: falo da minha geração, logo falo de mim.
Mas há perguntas que devem fazer-se antes que seja tarde: como regenerar uma geração (quase) perdida?
Creio que é indispensável introduzir as potenciais respostas com três questões preliminares:
Onde se perdeu esta geração? Porque se perdeu esta geração? O que perdeu esta geração?
Esta é uma geração que se perdeu no deslumbramento da democracia, cuidando que dizer-se democrata (e praticando o caciquismo) era o suficiente para sentir-se impune e imune a todas as tentações; mas também se perdeu na vertigem acéfala do poder, exercendo-o, quantas vezes, em benefício próprio, apesar de propalado em serviço dos outros; e deixou-se cair nas vaidades umbilicais, nas invejas competitivas (geradoras de ódios absurdos e compadrios inadmissíveis), na incapacidade de reconhecer as limitações (julgando-se de tudo sabedora, mesmo que sem procurar verdadeiramente preparar-se), nas avenidas da ambição desmedida (e sem critério, porque é bom saber ser-se ambicioso), na teia dos interesses (onde os interessados são sempre fiéis servidores), das conveniências (tantas vezes criminosamente convergentes) e na promoção em cadeia de pequenos poderes que contaminam as margens do grande rio que é a cidadania.
Esta é uma geração que se perdeu porque desvalorizou a memória, menosprezou a história, desrespeitou valores e princípios em detrimento do imediatismo e da promoção pessoal tantas vezes plasmado no exercício da política como profissão e não como serviço.
Esta é uma geração que perdeu a oportunidade de mudar o essencial (a revolução prometida das mentalidades, dos costumes e das práticas), preparar as mudanças estruturais (aprofundar o sistema educativo e o sistema nacional de saúde, encontrar um rumo produtivo gerador de mais valias coletivas e não de enriquecimentos demarcados e dos pequenos grupos dos grandes interesses) e não temer as gerações seguintes que, legitimamente, nos acusam de alguma distração.
Nem todos vivemos com o receio de que as telhas dos nossos telhados sejam de vidro; nem todos merecemos compartilhar os erros dos que se perderam e perderam as oportunidades de ser (verdadeiramente) transformadores; mas (quase) todos, num dado momento, ou em mais que um (pela ausência formal e o desinteresse funcional) contribuímos para o crescimento dos que saúdam a democracia e têm saudades da sua ausência.
Ainda vamos a tempo? Ainda, se formos capazes de passar a oportunidade de mudar aos nossos filhos antes que (também) eles se desencantem com tudo o que lhes prometemos e não fomos capazes de realizar ou (pelo menos) tentar realizar.
Este é o tempo de contribuir para mudar para os valores, para os princípios, para o exercício efetivo da cidadania, para a ação preocupada, comprometida e solidária para com as pessoas. Todas as pessoas.
Sem complexos, mas com ideologia e convictos que, antes de tudo, o futuro não tem esquerda nem direita, tem pessoas.
O futuro não tem desiludidos nem interesseiros, tem confiança.
O futuro não tem certezas absolutas nem convencimentos inabaláveis, tem convicções.
O futuro não se perde no tempo nem se desculpa com o espaço, por que é, em cada segundo, o horizonte.
Assim, no próximo futuro, que é já amanhã, não teremos medo (nem vergonha) de nos olharmos no espelho todas as manhãs, porque estaremos disponíveis para partilhar (e participar) em todas as responsabilidades e em todas as soluções.
Este tem de ser um compromisso para todos e cada um de nós. O compromisso de quem sabe que quer passar este presente e ser futuro.