Valter Lemos
O DESASTRE POPULACIONAL
Os Censos 2021 revelaram a maior tragédia ocorrida em Portugal na última década: a brutal acentuação da assimetria populacional entre o litoral e o interior do país. A maior de sempre da história. O nível de coesão territorial é o pior de sempre!
1 – Todos os concelhos a leste do meridiano de Vila de Rei, que divide geograficamente o território do país em duas metades semelhantes, perderam população;
2 – Essa metade do país perdeu mais de 200 mil pessoas para o litoral, nos últimos dez anos;
3 – Todas as cidades do interior perderam população acima da média nacional. Veja-se o resultado das antigas capitais de distrito:
Bragança – 34.580 (-2,2%)
Vila Real – 49.623 (-4,3%)
Guarda – 40.155 (-5,6%)
C. Branco – 52.272 (-6,8%)
Portalegre – 22.368 (-10,3%)
Évora – 53.568 (-5,4%)
Beja – 33.401 (-6,8%)
No caso do distrito de Castelo Branco, tal como nos outros a razia é geral: Belmonte -9,5%; Castelo Branco -6,8%; Covilhã -10,3%; Fundão -9,2%; Idanha-a-Nova -14,2%; Oleiros -14,4%; Penamacor -16,2%; Proença-a-Nova -14,0%; Sertã -7,1%; V. V. Rodão -6,6%; Vila de Rei -5,1%, totalizando uma perda superior a 18 mil pessoas.
Se a situação dos concelhos mais rurais, apesar da enorme gravidade que assume, não é, inesperada ou surpreendente, devido à alteração radical da natureza da estrutura económica, ocorrida na parte final do século XX e início do século XXI, o caso das cidades é absolutamente alarmante e de certo modo pouco compreensível, porque estas deveriam ser, precisamente, o fator de compensação dessa alteração. Veja-se a inacreditável evolução dos censos nas três cidades da região:

Comecemos pelo Fundão. A política de desenvolvimento do Fundão tem sido amplamente divulgada e apoiada na comunicação social local e até nacional. O autarca tem sido apontado como exemplo neste campo. Qual a explicação para este afundanço? Uma perda de 9,2% e o regresso a valores do século XIX é, sob qualquer ponto de vista, um desastre! Afinal do ponto de vista da política substantiva como explicar este desastre?
A Covilhã é outra situação muito difícil de explicar. Afinal a Covilhã é não só o concelho com melhores condições naturais (a serra e a cova da Beira) mas, também o que mais beneficiou das medidas tomadas pelos governos centrais nas últimas décadas (UBI, Faculdade Medicina, Centro Hospitalar da Cova da Beira, ferrovia, etc.). Uma perda de 10,3% é uma catástrofe que, além de profundamente desapontante, é completamente incompreensível.
Castelo Branco perdendo 6,8% é aparentemente a desgraça menor, dentro da tragédia geral. Mas isso é ilusório. Desde logo significam quase 4 mil pessoas! Mas, além disso, significam a completa inversão de tendência das décadas anteriores. Entre 1991 e 2011 Castelo Branco havia crescido em população contrariando todas as tendências da região e do interior do país. Nesta década a perda é trágica, ou seja, o resultado de 2021 é o pior desde 1930, mostrando que a última década é uma década tragicamente perdida! Todos os esforços dos mandatos de Joaquim Morão (e também de Vila Franca) que conduziram à única exceção nesta história, parecem ter-se esfumado!
É evidente que os principais culpados são os sucessivos governos, que, com uma ou outra honrosa exceção, nunca colocaram o problema no centro da agenda política e sempre o encararam de forma displicente e paternalista.
Não há políticas de natalidade minimamente consistentes (as creches em Portugal são mais caras, para muitas famílias, do que o ensino superior), a política de ensino superior e ciência, após a fase de construção do ensino politécnico, centrou-se nas últimas duas décadas quase exclusivamente no reforço das grandes universidades do litoral, as políticas económicas de incentivo à fixação ou crescimento empresarial no interior não existem ou são absolutamente risíveis, as políticas financeiras compensatórias têm abrangências ridículas ou constituem meros jogos de toca e foge como a lamentável e inenarrável novela das portagens mostra à exaustão, etc., etc.
Mas tudo isso não inibe as responsabilidades das lideranças locais, que se têm mostrado quase sempre mais preocupadas com os seus pequenos poderes e festinhas e festarolas, do que com estratégias de desenvolvimento continuadas e focadas na questão populacional. Grande parte dos autarcas centram-se exclusivamente em si próprios, odeiam-se cordialmente e são completamente incapazes de delinear e desenvolver uma estratégia conjunta e articulada, não só no respeitante às políticas locais, mas, também no respeitante ao diálogo, à negociação e à pressão sobre os governos centrais, mas também à envolvência das instituições e dos cidadãos na consciencialização e na ação política.