Edição nº 1754 - 17 de agosto de 2022

Maria de Lurdes Gouveia Barata
NO CALOR DE AGOSTO

Depois de um Julho-Altas-Temperaturas, com ondas de calor anunciadas pelos meteorologistas, calor de registo alto em Junho também, neste Agosto de 2022 essas ondas continuam promessa… Nós, aqui em Castelo Branco, que sempre foi um exagero de temperaturas, estamos longe do lenitivo das ondas marítimas, que refrescam um pouco. Não é por acaso que os albicastrenses sempre informaram os que nos visitavam: «Em Castelo Branco há apenas três estações: o Verão, o Inverno e o Caminho de Ferro». A realidade continua a constatar-se, embora eu pense que os inver-nos adoçaram um pouco. O Verão continua feroz, os mapas de previsão meteorológica quase sempre indicam Castelo Branco a ombrear com Évora e Beja como cidades mais quentes. Eu sempre fui pelo Verão. Confesso, porém, que ando farta de calor. É muito intenso, persecutório mesmo, abafante… Não entro na fila dos que dizem «isto foi sempre assim, não é de alterações climáticas», porque acredito nos cientistas e nos que sabem mais destes fenómenos, porque as vagas de calor se tornam mais frequentes e agressivas, porque tenho consciência de que os homens têm culpas no cartório, uns mais do que outros, os da ganância desenfreada, não me permitindo, no entanto, ignorar o meu mea culpa, abrangente de Todos (não entrando agora nessas reflexões).
O calor é uma potência cósmica, associado fisicamente à luz e assume-se como princípio de renascimento e regeneração. O calor faz amadurecer os frutos – lá está o provérbio «em Agosto, toda a fruta tem seu gosto», o calor faz renascer – o ovo chocado pela galinha torna-se promessa de vida, apenas um exemplo. Sequencialmente, calor associa-se a fogo, que é elemento de ritual iniciático de morte e renascimento. Evocamos também a parte negativa do horror dos incêndios, que devoram Portugal e devoram o mundo.
Comunicativamente, a língua retém com plurissignificação a palavra calor, dimensionando aspectos físicos e psicológicos no âmbito de contextos diversos. Assim, o calor humano, que a solidariedade com o próximo exprime, é expressão que carreia uma simbologia de vida, uma vida de relação em que nos movimentamos. É ideia que se defende com calor, com entusiasmo de alma (embora ideia nem sempre concretizada) e que se apregoa no calor duma conversa. Pode haver quem se atreva a não dar calor, neste caso encorajar, apoiar o que é aceite como princípio: a fraternidade e a paz entre todos os seres humanos, que traduzem o calor humano, expressão metafórica de emoções e sentimentos.
Mas Agosto, mês de Verão e de calor, traz-nos um outro ditado de acordo com as suas características: «Nem em Agosto caminhar, nem em Dezembro marear». O tempo quente não puxa para caminhadas, antes para o descanso que um certo amolecimento físico pede. Será nesse sentido que surge o provérbio «Tardes de Agosto passam de encosto»? Será a motivação para a sesta. Todavia, pode-se justificar por isso mesmo um outro provérbio: «Em Agosto sê cuidadoso e não largues o preguiçoso».
Já que enveredei por provérbios, vejamos o seguinte: «Casamento em Agosto, casamento de desgosto». Numa tradição portuguesa, não era aconselhável que as mulheres casassem durante este mês, porque era nessa altura que os navios das expedições colonizadoras partiam para a descoberta de novas terras. O afastamento poderia assim transformar-se em solidão ou mesmo em viuvez. Daí o ditado popular, que se tornou genericamente abrangente.
Todavia, poderíamos ainda acrescentar ao mês de Agosto uma fama de azarado, um pouco por todo o mundo. A crendice torna-se forte no Brasil, chamando Agosto de mês do cachorro louco. Mas as crendices vão caindo com algumas explicações. Neste caso, e numa relação com a realidade, neste período é comum os cães e outros animais como gatos, cavalos, bois e morcegos apanharem a doença da raiva. Essa doença pode espalhar-se mais facilmente por causa da maior quantidade de cadelas e outras fêmeas no cio. Na disputa os machos acabam a lutar, aumentando, assim, as hipóteses de transmissão da doença. Como uma espécie de contaminação, qualquer grande tragédia ocorrida em Agosto leva a uma tendência de associação ao mês azarado. Na verdade, só para alguma exemplificação, a Primeira Guerra Mundial começou no dia 1 de Agosto de 1914; foi em Agosto de 1939 que teve origem a Segunda Guerra Mundial; 6 de Agosto de 1945, a cidade de Hiroshima foi atingida pela primeira das duas bombas atómicas lançadas pelo exército americano no Japão no fim da Segunda Guerra Mundial; no dia 13 de Agosto de 1961 teve início a construção do Muro de Berlim. Anteriormente, no ano 79, Pompeia foi soterrada pelas lavas do Vesúvio em 24 de Agosto; em Nova York, no dia 6 de Agosto de 1890, foi electrocutado numa cadeira eléctrica o primeiro ser humano. Refiro uma tragédia em Portugal que lembrei: no dia 25 de Agosto de 1988 houve o grande incêndio da Baixa lisboeta.
No entanto, o Bom e o Mau aparecem em todos os meses. Se há coincidência com Mau frequente em Agosto, não pensemos que Agosto é sempre desgosto e dá azar. É que a nossa mente pode tecer azares…

17/08/2022
 

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