João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
ESTE FIM DE SEMANA tive o encontro mensal da Confraria dos Sabores da minha aldeia, que tem por objetivo maior, fomentar o convívio e a amizade degustando sempre pratos da gastronomia regional e local, considerando-os como património cultural e identitário que importa preservar ou recuperar. Sempre respeitando a época própria de cada um dos produtos a ser confecionado, foi agora o tempo das favas, com uma sopa de brêdos, tão boa e tão injustamente esquecida, a compor o estômago para o prato forte da ocasião.
A mesa da Confraria é feita para comer e para falar. Muito. Lembrou-se o famoso arroz de favas queirosiano com que Jacinto se deliciou na sua chegada a Tormes, vindo de Paris depois de uma longa viagem de comboio. Um prato simples de recurso para um visitante inesperado, cozinhado pela Joaninha, a jovem camponesa que vai transformar um enfastiado citadino, num deslumbrado e apaixonado agricultor. E a conversa deslizou, vai lá saber-se porquê, para uma figura de quem todos tinham lembranças ternas e divertidas. O senhor padre António, pároco há algumas dezenas de anos das freguesias de Sarnadas de Ródão e Benquerenças, sobre quem cada um tinha algum episódio, e alguns bem picarescos, que recordou com ternura.
Homem santo, perfeitamente integrado na comunidade de cuja alma cuidava. Caçador, pescador, apicultor, agricultor, e não podemos esquecer a animação mais pagã através da sua aparelhagem sonora que disponibilizava para sonorizar festejos (ai os Tira Picos, grupo musical feminino...) e atividades teatrais (leram bem, teatro) organizados pelos jovens da aldeia, muitos em férias grandes e pelos que, sem férias grandes, já trabalhavam nas fábricas dos Cebolais. E ninguém seria capaz de o culpar ou criticar por, a meio da visita pascal que passava pelos vários lugares, hoje já abandonados, que rodeavam a aldeia, despir a sotaina e suspender por uma hora a visita, para buscar um cortiço e capturar um enxame de abelhas que se lhe atravessara no caminho. Ou o vernáculo usado, e por ele citado na igreja, por um pastor da aldeia que numa manhã de pesca no rio, não o reconhecendo, se lhe dirigiu dizendo-lhe que não valia a pena andar ali porque o (vernáculo) padre das Benquerenças já tinha pescado tudo. Contado aos paroquianos com um sorriso de menino grande que desarmava qualquer um.
Esta proximidade e autenticidade, fazia com que todos o sentissem como fazendo parte de corpo inteiro da sua comunidade e fosse olhado com desvelo e carinho. E é tudo isto que faz com que o padre António perdure na memória de todos aqueles que têm idade suficiente para terem convivido com ele. As memórias são cimento da vida comunitária. Por isso quis aqui recordar este homem da Igreja que, além do mais, também alimentou a nossa fé e crença religiosa.