Edição nº 1819 - 22 de novembro de 2023

Elsa Ligeiro
BANCOS SEM SOMBRA EM ALCAINS

Viver em Alcains é uma opção arriscada. Não só (mas também) pela falta de transportes públicos adequados à dimensão da Vila.
Não estamos melhor do que há sete anos, pelo contrário, estamos pior. Os transportes rodoviários entre Alcains e cidades como o Fundão e Covilhã desapareceram. Entre Alcains e Castelo Branco continua o deserto nos fins de semana e feriados, para não falar de transportes entre freguesias com poucos habitantes.
Os transportes públicos são apenas um dos problemas por resolver, como o dos “Expressos” para Lisboa, Coimbra e Porto; que circulam no cruzamento de Alcains sem se dignarem a recolher passageiros alcainenses que terão que embarcar obrigatoriamente em Castelo Branco; para onde têm de deslocar-se nos fins de semana (ou feriados) de táxi.
Mas o problema principal de Alcains assenta em algo mais grave, na falta de autonomia e numa dependência arcaica e de relação submissa com a sede de concelho, que após 50 anos de liberdade em Portugal, envergonha o poder local e as conquistas tão propagadas da democracia descentralizada.
Uma simples festa na Vila de Alcains tem que ser subsidiada pela Câmara, cujo presidente aparece ufano como no século passado o regedor, repetindo ano após ano as dádivas e o trabalho que a Câmara Municipal devia fazer com discrição e modéstia, até porque é a sua obrigação ao gerir os impostos dos alcainenses. Ou não?
Se há elogios a entregar ao senhor presidente (ou a algum vereador) devem ser feitos por iniciativa da freguesia ou dos fregueses alcainenses. O contrário é que não fica bem. Nem sequer se trata de uma questão de política, mas de educação e postura cívica que deve existir entre quem governa e é governado. Os discursos melosos e de promessas vãs (se impossíveis de evitar) devem reservar-se para o período das campanhas eleitorais.
Em relação à dependência ou, se preferirem, à total falta de independência da Vila de Alcains para resolver os seus problemas; ela ainda é mais visível nas obras públicas em curso.
Deixo o comentário geral às obras de requalificação do Centro para quando estiverem concluídas; mas há dois aspetos que considero grotescos: se a ideia é o desenvolvimento sustentável tão apregoado pelos poderes públicos que metem sustentabilidade na mais simples frase de comunicação com os seus eleitores; os automóveis continuam a ocupar o as ruas centrais da Vila e especialmente o centro cívico do Largo de Santo António. E já é visível o caos de entradas e saídas de automóveis na Vila com estacionamentos laterais que são o contrário a qualquer desenvolvimento sustentável do espaço público.
O espaço público comunitário necessita de árvores, e ambiente para discussões e boas conversas de temas de interesse público como na Ágora grega ou no Fórum romano. Para desemperrar as pernas e a língua, porque não?
Os automóveis são um instrumento de trabalho, de dinâmica comercial e industrial de grande importância, ninguém põe isso em dúvida; mas cabe a quem gere o espaço público salvaguardar o direito à sua fruição e organizar o parque automóvel de modo a não colidir com o direito ao descanso; para a comunidade usufruir em liberdade e sem perigo de ser atropelada espaços comunitários como são os passeios, os largos e a praça da Vila.
Em Alcains, isso não tem sido uma preocupação relevante, nem sequer à luz do tão propagado desenvolvimento sustentável. É exatamente o contrário, o que não se entende dentro do quadro de alterações climáticas que só tenderão a piorar num futuro próximo.
A ligeireza com que se cortaram árvores em Alcains durante a requalificação do centro da Vila é a prova de que quem pensa o espaço público não foi feliz nas suas opções.
Admito que um arquiteto saiba desenhar soluções melhor que as que passam pela minha cabeça; mas o arquiteto que não pensa integrar as suas ideias no já edificado, no já existente, é um desenhador de projetos longe da grande arquitetura que deve estar ao serviço das comunidades, do bem-estar das comunidades e da sua história; e não das obras públicas abstratas e de inaugurações faustosas.
Ver uma estrutura de bancos completamente desproporcionada em relação ao espaço onde ficou instalada (em frente à CGD), sem ainda uma árvore por perto; envergonha qualquer alcainense.
Quem lê meia dúzia de textos sobre botânica, mesmo só por curiosidade, sabe qual o tempo necessário para uma árvore atingir um porte que dê alguma sombra (e as novas ainda não estão plantadas!)
Até lá, resta aos cansados alcainenses utilizar “a instalação de bancos de jardim” para ver passar os automóveis, ora à esquerda ora à direita e até à frente se algum automobilista precisar de uma inversão de marcha. Na realidade, apenas um local para identificar as marcas de automóveis que circulam na Vila.
Perante esta triste realidade só me resta como (fraco) conforto a leitura de Jorge de Sena, que nunca visitou Alcains mas que estaria a pensar numa Vila como a nossa quando escreveu Paraísos Artificiais “… Na minha terra, não há árvores nem flores./ As flores, tão escassas, dos jardins mudam ao mês/ e a Câmara tem máquinas especialíssimas para desenraizar as árvores/…. A minha terra não é inefável./ A vida na minha terra é que é inefável./ Inefável é o que não pode ser dito”.

22/11/2023
 

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