Edição nº 1868 - 6 de novembro de 2024

Valter Lemos
O IMPÉRIO CULTURAL AMERICANO

No passado fim de semana muitos milhares de crianças e jovens vestiram-se de feiticeiros e bruxas e comemoraram alegre e ativamente o Haloween. Muitos dos seus avós não sabem o que isso é, mas, em muitos casos, comemoram com filhos e netos e compram-lhes trajes e máscaras adequadas, adquiridas nas inúmeras lojas chinesas que se encontram cheias desses artigos nesta época. Vão suceder-se os infindáveis artigos de Natal, com especial relevo para os bonecos do Pai Natal que esperam à porta das lojas e irão povoar janelas e varandas desse Portugal (e muitos outros países). Os mesmos avós também, frequentemente, não sabem quem afinal é o Pai Natal, como é que apareceu e porque se festeja uma figura originária dos gelos do polo norte, mas, de qualquer modo, lá vão comprando infinitas prendas dizendo aos netos que foram trazidas pelo pai Natal…
Esta invasão cultural arrasou, em duas ou três gerações, muitas tradições anteriormente marcantes. Substituiu o inocente “menino Jesus” pelo displicente “pai Natal”, o sóbrio “pão-por-Deus” no espampanante “doçuras e travessuras” e até o bacalhau já se queixa, por vezes, da concorrência do peru na mesa festiva.
A introdução do pai Natal e do Haloween na cultura popular portuguesa (e muitas outras) não é diferente, afinal, da disseminação da Coca-Cola, dos restaurantes de hamburgers, da fast-food, mas também das calças jeans, dos ténis, etc.
Os Estados Unidos da América não inventaram nada disto, mas adaptaram-no, massificaram-no e disseminaram-no pelo mundo de forma a que, no tempo de três gerações, passou de exceção a norma e de novidade a tradição.
Ao longo da história a colonização cultural foi, quase sempre, realizada com base no uso da força e da imposição violenta. Esta, no entanto, não foi bem assim. A disseminação cultural americana dispôs de três ou quatro outros poderosos instrumentos. O primeiro foi o capitalismo. A exploração sistemática do impulso e da vontade humanas de posse, criou a necessidade de consumo num processo espiralado, aparentemente sem fim. Hoje a mecânica capitalista não conta só com a vontade dos seus criadores, conta, acima de tudo, com a de todos os outros. Naturalmente com as dos europeus, aliás criadores originais da maior parte dos conceitos fundamentais da chamada “cultura americana”. Com as dos chineses e também de quase todos os grandes países asiáticos (Japão, Coreia, Indonésia, etc.) que desenvolvem a maior indústria mundial de produção de bens de consumo designadamente os associados à cultura “americana”. Com as dos russos e dos árabes produtores da energia fóssil essencial ao crescimento económico, condição essencial do consumo espiralado e muitos outros.
Mas, a expansão cultural americana não se deve só ao modelo cultural capitalista. Deve-se também à ciência e tecnologia, que permite sustentar a já referida espiral de consumo, porque permitindo conhecer cada vez melhor a natureza e o mundo, também permite desenvolver instrumentos de manipulação dessa natureza e desse mundo.
Mas a américa dispôs ainda de mais dois fortíssimos disseminadores culturais: o cinema e o rock & roll. O cinema americano formou uma ou duas gerações em muitos países do mundo e influenciou fortemente a criação e difusão cultural em muitos outros. O mundo americano apresentado no cinema foi mais forte do que a realidade na cabeça de centenas de milhões.
E o rock & roll foi o caldo de cultura de duas ou três gerações num largo número de países, penetrando, sob as mais diversas formas, no processo criativo e na produção cultural de artistas das mais diversas origens e culturas.
Grande parte de tudo isto nasceu na Europa, mas, na verdade foram os americanos, que o desenvolveram, transformaram e disseminaram, produzindo a maior difusão cultural da história. Mas começa a haver fortes interrogações sobre os limites desse processo, principalmente do ponto de vista das suas condições de sustentabilidade. No fim de contas a cultura é a nossa condição essencial de vida.

06/11/2024
 

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