Lopes Marcelo
MADEIRO PIMBA?
Dentro das tradições natalícias da nossa região destacam-se os madeiros. Diz o povo: “cada roca com seu fuso, cada terra com seu uso”. Contudo, no que respeita aos madeiros, estão bastante enraizadas na cultura local, base da nossa identidade cultural, todo um conjunto de práticas e usos e costumes que se mantêm genuínos, a par de algumas adaptações modernas como sejam o corte e o transporte dos troncos até ao adro da igreja matriz de cada povoação. Não são estes aspectos que comprometem o valor cultural e histórico desta tradição, resistindo como tantas outras que provam poderem-se adaptar no que é secundário, desde que respeitem e não corrompam o que é essencial.
Conheço muito bem e de perto a tradição dos madeiros nas terras do meu concelho de Penamacor. Tenho assistido com alguma surpresa ao movimento de fazer embandeirar o madeiro da vila De Penamacor como sendo o maior de Portugal o que comporta questões positivas mas, também, algumas negativas. Maior em que aspecto? Mais genuíno? Mais autêntico? Mais representativo da tradição popular? Maior quantidade de troncos e maior procissão de tractores e animações exteriores de ano para ano? A resposta totalmente afirmativa é apenas verdadeira à última questão. Não digo que não seja genuíno e autêntico, tanto como o são também todos os outros madeiros das restantes freguesias do concelho, mas não mais o da Vila do que os das freguesias. O madeiro de Penamacor pretensamente mais representativo das tradições, vem evidenciando fragilidades maiores do que ao das freguesias: na Vila a participação comunitária, voluntária e graciosa partilha do que se faz, bebe e come é real e espontânea? Na iniciativa, no que se canta, nos instrumentos musicais usados e nos vivas ao madeiro, segue-se realmente a tradição popular?
“O maior madeiro de Portugal anima o dezembro na Vila” é cartaz turístico propalado na Imprensa, na TV, na publicidade, em placares na margem das estradas. Mas tem realmente a tradição do madeiro matéria para tamanha festa e feira? Na tradição, o madeiro tem na verdade dois momentos: a noite de sete e o dia oito de Dezembro para a sua recolha e transporte para o adro da igreja; e a noite de natal em que se lhe apicha o fogo (como o povo dizia), na partilha de filhós, vinho e jeropiga, pão e algum enchido ali assado nas brasas, tudo ao som das concertinas ou acordeões ao ritmo dos cânticos populares. Mas, dirão alguns leitores: -mas não pode o pretexto do madeiro servir para promover a Vila? Alguns outros, já com algum azedume, dirão: - que mal é que tem de querer ser grande?
Voltemos serenamente à verdade da tradição. O grande significado e importância da noite de sete de Dezembro é que ela representa genuinamente o espírito comunitário traduzido no voluntarismo da iniciativa dos rapazes e raparigas do ano das sortes (antiga inspecção militar), noite que passam no campo a recolher os troncos em partilha solidária de esforço, de comes e bebes dos produtos locais à volta de uma fogueira, vivendo o seu entusiasmo com os cânticos das raízes das suas tradições locais. Mais recentemente, convergiam para o recinto da Senhora do Incenso. Ora, nessa mesma noite, nesse mesmo recinto, a Organização do certame da Vila Madeiro realizou no ano passado um festival de música pimba, abrilhantado pelo seu maior expoente Quim Barreiros! Grande espectáculo de músicas de artistas exteriores à região. Ocupar a noite do madeiro com um festival de música pimba, não lembrava ao Diabo! Quanto ao dia oito de Dezembro, à mistura com o cortejo da recolha e transporte, lá se juntam muitas animações, personagens, artes e músicas importadas, exteriores à realidade cultural e ás tradições da comunidade local que, sendo submergidas e deturpadas, não ficam bem em autenticidade, até para a eficácia e sustentabilidade da desejável promoção turística.
Quanto ao queimar do madeiro, não na noite de natal dizem que por conveniência turística, a enorme quantidade de troncos é totalmente desajustada ao pequeno adro da Igreja Matriz. O espectáculo do acender o madeiro com o aparato dos bombeiros a deitarem água nas chamas durante horas para evitar grandes perigos, mais se afigura um treino de apagar fogos digna de filme insólito, do que a festa do fogo comunitário de sinal e força simbólica de purificação e de redenção. É de elementar bom senso mudar o local, ou diminuir a quantidade de troncos ali colocados de uma só vez.
Acontece que que a Autarquia promoveu a candidatura dos madeiros do concelho a Património imaterial português junto da Direcção Geral da Cultura. De facto, a consagração da realidade histórica e cultural dos madeiros de todas as freguesias, através dessa candidatura em rede, tem toda razão de ser por razões culturais e de identidade do nosso território e das nossas gentes.
Oxalá não chegue ao conhecimento da Autoridade cultural a recente evolução do madeiro de Penamacor para madeiro pimba, que não encaixa propriamente na nossa tradição cultural. Das duas uma: ou a Vila Madeiro corrige a sua programação futura ou os restantes madeiros das freguesias podem evoluir para a pimbalhada. É que artistas pimbas não faltam e diabos ou diabinhos à solta capazes de tudo, há-os de todas as gerações e múltiplas geografias.