Edição nº 1882 - 12 de fevereiro de 2025

José Dias Pires
MORTE À DITADURA DO TEMPO!

Na nossa cidade, no nosso país e no nosso mundo, perante a dialética entre os valores duvidosos e a dança dos interesses que estão a promover a insegurança global, estamos, cada vez mais, confrontados com o medo individual e a confiança coletiva.
Na verdade, perante a ditadura destes amargos e imprevisíveis tempos de músicas desafinadas e maestros desatinados, o futuro não pode ter nem desiludidos nem interesseiros, antes se obriga (nos obriga) a procurar que seja um projeto confiável. Por isso, não devemos permitir que o próximo futuro tenha certezas absolutas ou convencimentos inabaláveis (os instrumentos dos ditadores e dos populistas, geradores do medo), porque deverá fundar-se em valores e convicções (instrumentos dos democratas e geradores de confiança).
Confesso: cada vez gosto menos de estar no grupo dos humanos deslocados e cujos caminhos não passem pelos lugares de onde há cinquenta anos começámos a partir desejosos de chegar ao que pareciam ser as fronteiras do impossível: as alamedas da liberdade e da democracia.
Hoje alguns (hipocritamente agradecidos) deixam que outros tomem, em glória encenada, as rédeas da ditadura do tempo da intolerância, do populismo, da xenofobia e do nacionalismo redutor apenas interessado em gerar o individualismo exacerbado e acéfalo.
Se estivermos atentos, ouvem-se, ao longe, os trovões que anunciam a aproximação da indesejada tempestade. Não tarda, chegarão os ventos que hão de trazer-nos mais dias intranquilos disfarçados numa paz que acompanha sempre os fantasmas que nos arrefecem a alma (e as almas frias deixam os corações desasados, a vontade desarmada, desalmada, à mercê dos franco-atiradores).
Será que os nossos corações têm olhos que veem muito para além do olhar e descobrem que o pior fruto é o que apodrece, por dentro, e se rejeita mesmo quando parece, e se julga, saudável, na nossa cidade, no nosso país e no nosso mundo? Será que as nossas mentes descobrem a mentira absoluta que parece nunca começar, porque se confunde com a imaginação demente que a julga verdade? Conseguiremos descortinar que há um momento em que a fome, a descarada fome da abundância dos outros, nos entra casa adentro sem bater à porta, e que então, na sombra dos silêncios, as palavras, que toda a vida sobraram, brotam lambuzadas de bem hajas, de insistências e de conveniências subservientes a fingir-se novas, de tão velhas?
Tenho dificuldade em manter a convicção de que os nossos sonhos têm sete vidas como os gatos e têm sete noites como todos os sonos deveriam ter. Porque hoje os sonhos não nos arranham e muito menos nos afagam. Enredam-nos o sono em teias, transformam-se em armadilhas onde as máscaras diurnas, usadas até à exaustão da noite, se transformam em pele e ficam para sempre impressas como uma nódoa negra de sangue pisado.
Perante as lideranças que nos avassalam a esperança, cabe perguntar: Onde estão agora os nossos sábios? Onde estão os nossos génios, os nossos mestres, os filósofos do nosso tempo, que nada fazem, que nada veem, que nada compreendem para além do palmo que lhes fica à frente dos seus narizes interesseiros?
Está aí a tempestade. E sabeis que tempestade é esta? É a tempestade da chegada à efémera maturidade ou à velhice precoce, quando poderia ser o regresso à eternidade infantil: o momento regenerador do qual se espera que nasçam as grandes transformações a que devemos ousar continuar a chamar de honestidade, verdade, liberdade e democracia.
E nós? O que queremos ser perante tudo isso? Um conjunto de fantoches ou marionetas, que vive, sem saber, uma vida manipulada por mentiras agora impingidas como imutáveis verdades? O que está a acontecer à nossa cidade, ao nosso país e ao nosso mundo? Para onde caminhamos? O que haverá por detrás de tudo o que se oculta, que se afirma não existir e que é fruto da imaginação de mentes doentes? O que há no outro lado de aqui onde não chega a nossa vida? Chamam-lhe globalização. Eu designo-o por ditadura do tempo.
Estaremos dispostos a ver cumprir a vontade dos malditos humanos transformados nos deuses ilusores das malditas ilusões deificadas?
Estaremos dispostos a olhar as nossas mãos, e nelas os nossos dedos, que foram (mesmo que num ápice) madrugada e pareceram (deveriam) ser capazes de transformar os outonos em primavera? Sim, olhemos as nossas mãos: conseguem ler o seu aviso? Perceber que apesar da ausência que, sem razão, nos acontece, como se ao silêncio se roubasse o zumbido de uma abelha e que, não obstante os desertos que, sem sentido, invadem os nossos oásis, como se à cor a embrulhassem, de vez, na noite escura, devemos olhar as nossas mãos para perceber se foram ou não sempre muito mais do que aos deuses ilusores das malditas ilusões deificadas apetece?
Apesar dos olvidos que disfarçamos, olhando para o lado, como se ao esquecimento lhe oferecessem a desculpa; apesar de tudo isto, parece que apenas somos capazes de apontar os outros, como se à nossa sombra incomodasse a alegria matinal.
Que mundo é este? Um presente sem passado? Um medo de deixar na vida uma impressão digital?
Morte à ditadura do tempo!
Exijamos que na destruição da ditadura do tempo haja mais poesia que violência e que as metáforas vençam a metralha.
Vivamos uma revolução cujo objetivo primacial seja preservar o homem criança prenhe das melhores ilusões. Que a nossa tarefa seja descobrir o que há de suportável nas ideias e nas palavras para poder corrigir o que há de repreensível nos gestos, sem estragar nenhuma das obras primas com as quais nos devíamos deparar: memórias, espaços, sensações, amor.
Viva o futuro. O futuro das (boas) impressões digitais que nos obrigam a olhar para as crianças e para os jovens que nele acreditam e que, a aprender, sabem que o nosso tempo não é só de paixão é também de amor; a olhar para os jovens e adultos que com ele se misturam e que, por viver, querem sentir que construir não é miragem é urgência, não é exploração é partilha, não é discurso é ação; a olhar para os idosos que não querem ser, por ele, ultrapassados e que, em noturnas esperas, desesperam pelo dia claro, azul, verdadeiro e solidário; a olhar para todas as mulheres e todos os homens cansados e fartos das promessas inclusivas e das práticas de exclusão. Olhemos o futuro do futuro para que ninguém tenha medo de se olhar no espelho todas as manhãs e se sinta capaz de partilhar todas as responsabilidades e participar em todas as soluções na nossa cidade, no nosso país e no nosso mundo.
Morte à Ditadura do Tempo!

12/02/2025
 

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