Poesia sempre
Comecei a publicar poesia quando era jovem e escrevia poemas que, ou atirava ao ar em forma de avião de papel, nas muralhas do castelo, ou copiava de livros de Fernando Pessoa e dava aos amigos, isto já em Coimbra. Mas, poemas impressos aconteceu já em Coimbra, quando com o António Cravo inventámos tertúlias no número 40 da Rua das Matemáticas, sábados ao serão. Este foi um espaço pioneiro na expressão artística individual e colectiva, pois era um espaço aberto a todos/as. Ali se podiam libertar gritos em forma de poema, pela pintura e pela música. Ninguém julgava acerca do (des)valor dos actos. Era um espaço/tempo de libertação. As sessões eram muito animadas e ninguém pagava ou recebia fosse o que fosse. Era o puro prazer de comunicar explorar outras linguagens.
Depois fizeram-se quase artesanalmente brochuras com o resultado final, impressas clandestinamente e vendidas na Praça da República a preço voluntário, só para pagar as despesas. Eram os Cadernos do 40.
Quanto ao porquê de publicar poesia.
Bem, não é certamente por mercantilismo, mas por paixão.
A poesia é o último reduto da verdade. Todos já sentiram o apelo poético, isto é, um apelo de intimidade com uma parte do Todo, em criança ou adolescente. Um apelo para a doação total do corpo e da alma. O que acontece a seguir é determinante. Ou deixamos morrer esse sentimento ou o cultivamos (por vezes secretamente).
Há poetas que nunca escreveram, mas a sua existência está prenhe de poesia. A poesia também pode tomar o caminho da música, da pintura, do teatro, etc. Neste caso é necessário são necessárias muitas interacções sociais. Estar no mundo é estar num palco, alguns gostam de palco, outros não. E por isso se retiram do mundo, e escrevem o que só em si encontram. Podem tornar-se espelhos da realidade (natural e social), mas refletem a realidade por ângulos a que outros não chegam por estarem tão distraídos com os falsos brilhos não vêem a rosa. O poeta indica – aqui está uma rosa e esta rosa é única!
Vivemos uma época muito ruidosa. O acto de retirada deste espaço e a procura de sensações primordiais é própria dos poetas. Por isso a poesia é um acto de resistência.
O que faço enquanto editor de poesia é também um acto de resistência ao ruído mundano. A poesia é uma arte pobre. Enquanto editor de poesia procuro dar voz, continuar esta voz primordial da humanidade.
Manuel Silva-Terra