João Carlos Antunes
Apontamentos da Semana...
TEM PASSADO MUITO NA RÁDIO uma música de José Afonso, revisitada por Júlio Pereira e Marisa Liz. É a Teresa Torga, que já conheço há muitos anos, de um disco do Zeca, Com as Minhas Tamanquinhas de 1975. Apesar de ser uma das músicas mais emblemáticas do disco, nunca atentei na personagem central da canção. Seria, para mim, apenas (e já era muito) uma canção sobre a luta pela dignidade e pela igualdade da Mulher. Só agora, 50 anos depois, fiquei a saber quem era Teresa Torga e a conhecer o episódio que foi a inspiração da canção. E fiquei a gostar ainda mais dela.
Teresa Torga é uma personagem real. Uma antiga atriz de revista e cantora, na época a passar por uma fase depressiva. Numa avenida central de Lisboa, despiu-se e começou a dançar nua. Logo populares acorreram para a ajudar, no momento passava António Capela, conhecido fotógrafo, mais da área do desporto, e curiosamente meu vizinho. Saca da máquina e desata a tirar fotos da artista desnudada, atitude considerada desrespeitosa pelos populares. Ameaçaram destruir-lhe a máquina, acabaram por lhe retirar o rolo. Este episódio foi contado pelo jornalista Rogério Rodrigues no Diário de Lisboa e sensibilizou o Zeca que compôs a canção, agora novamente nos sons da rádio graças a Marisa Liz e Júlio Pereira.
Sensibilizam-me as canções com gente dentro, que contam uma história. E José Afonso tem várias. Não falo das muitas que têm o povo como personagem coletiva. Falo das tais que referem pessoas concretas. Sem lhe referir o nome porque escritas antes de abril. Como a Mariana de Jesus, heroína popular não identificada, do Cantar Alentejano (Traz Outro Amigo Também, 1970) que se notabilizou por um ato de grande coragem e revolta contra as injustiças que a levaria à prisão. Ou o artista plástico e escultor José Dias Coelho, militante comunista, assassinado pela PIDE, facilmente identificável, ainda que não nomeado, em A Morte Saiu à Rua (Eu vou ser como a Toupeira, 1972)
Mas poderia continuar por outras paragens. Eric Clapton lembra em Tears in Heaven (1991) o filho de quatro anos, caído do 52.º andar de um arranha-céus de Nova Iorque. A letra é um diálogo doloroso e íntimo com o filho. Ou Johnny Cash que faz de Hurt (2002), a última canção que gravou antes de morrer (ter-se-á deixado morrer), um hino de amor e dor pela perda da mulher June Carter. O cantor viria a morrer três meses depois de June.
E para fechar em ambiente mais descontraído temos a Lucy que os Beatles cantavam em Lucy in the Sky with Diamonds (do álbum Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, 1967). Para muitos, um acrónimo da droga alucinogénia LSD, John Lennon garantiu sempre que a inspiração fora um desenho que o filho de quatro anos fez na escola. Quando lhe perguntou o que representava, Julian respondeu: Lucy in the Sky with Diamonds e isso foi o clic para a canção. Já se conhece a Lucy, Lucy O’Donnell que ficou famosa por uma casualidade. De coisas simples se faz a vida.