Cristina Branco
OS FANTASMAS DO FEMINISMO
Sejamos honestos, o que se conhece realmente de Gisele Halimi? Ou de Olympe de Gouges, que já em 1791, numa espécie de pré-Twitter da guilhotina, exigia que a mulher tivesse voz na república dos homens?
No imaginário popular, a feminista não é uma mulher. É um monstro.
Tem buço, tem pelos nas axilas (porque o pêlo feminino é mais perigoso do que o masculino, toda a gente sabe), punhos de martelo, olhos em chamas. Detesta o pai, o tio, o vizinho e talvez a Humanidade. Odeia os homens porque, segundo essa lógica falaciosa que mistura Freud com café instantâneo, nunca foi “bem comida” por um macho alfa de barba rija e vocabulário limitado.
Ora, essa imagem é tão redutora quanto infantil. Mas é precisamente por isso que triunfa. Porque é fácil. Porque é esteticamente conveniente. Porque é tão boa de odiar quanto de rir.
Ninguém quer saber da Simone de Beauvoir.
Não realmente. Não da mulher que escreveu O Segundo Sexo, esse tratado demolidor onde desmonta séculos de mitos com a precisão de um cirurgião. Não da amante e cúmplice de Sartre que, ao contrário da fantasia sexual de muitos, não passava os dias a discutir com ele em cima de tapetes persas com cheiro a vinho tinto. Não da intelectual que, ao afirmar que “não se nasce mulher: torna-se”, desafiou não só a biologia mas a teologia e a sociologia num só parágrafo.
O que se quer é a feminista com cornos de diabo.
Colorida, raivosa, com a forquilha pronta a espetar o próximo homem que diga “calma, não era isso que eu queria dizer”. É o meme, o sticker, o ícone pop do ressentimento. Porque o ressentimento feminino, quando público, incomoda mais do que o masculino com armas e gravatas.
Nas redes sociais , Ágora digital onde todos opinam e ninguém escuta, a mais leve queixa feminina é recebida com um suspiro colectivo:
“Lá vem ela, outra vez, com o arroz do costume.”
Sempre arroz. Sempre “isso era dantes”. Sempre “já fartas”.
Como se a luta tivesse data de validade. Como se a equidade se pudesse descongelar no microondas da história e comer com molho agridoce.
E o mais surpreendente é que, muitas vezes, são mulheres que repetem esse discurso. Algumas por conforto. Outras por medo. Outras porque, como bem sabia Anaïs Nin, é mais fácil seduzir um homem com silêncio do que com ideias.
Hoje, o sexismo veste novas roupas.
É irónico. É sofisticado. É viral. Vem com likes, filtros e emojis. É o “não sou machista, mas…” com edição de imagem. É o “coitados dos homens, agora tudo é assédio” dito por gente que nunca teve de desviar o corpo num elevador às 23h porque saí do trabalho tarde.
E há, de facto, um desejo subterrâneo de retorno.
Ao tempo em que tudo era mais simples, porque o silêncio das mulheres não incomodava. À ordem antiga, em que a mulher que lia Simone de Beauvoir o fazia às escondidas, como quem folheia um Kama Sutra entre as almofadas do sofá de couro do pai.
Mas o mundo mudou. E continua a mudar. E talvez o maior desafio não seja explicar o feminismo, mas desmontar o fetiche de quem prefere a sua versão burlesca, grotesca, distorcida.
Não é que o mundo tenha medo do feminismo. Todos querem liberdade, mas longe, no Irão, na Índia!
O nosso mundo só não quer estar lá quando ele realmente acontecer, quer que aconteça, mas por boa consciência política e social, ao longe
O que queres tu dos homens? Perguntou alguém recentemente
Eu não quero “dos homens”, eu quero da sociedade e não só para as mulheres: quero liberté, égalité, fraternité!