DESASSOSSEGO - José Lagiosa
FONTE LUMINOSA

Durante o largo período que durou o PREC, mais conhecido por Verão Quente mas que foi bem mais extenso que os três meses da época estival, um homem houve, ligado à sociedade civil e política que sobressaiu, na luta contra a hegemonia daqueles que tentaram subverter o novíssimo regime democrático saído de abril de 74, foi ele Mário Soares.
Efetivamente o advogado que combatera, das mais variadas formas, o regime fascista, fora preso, condenado e deportado, estava em Portugal poucos dias após o golpe militar do Movimento das Forças Armadas, pronto para contribuir para a consolidação da democracia e nunca virou a cara às adversidades tendo combatido de peito feito aqueles que escolheram, nessa altura, um caminho perigoso e diferente do que seria suposto.
Foi assim que perante a necessidade de uma demonstração viva e forte da oposição a todas as tentativas de conduzir Portugal para destinos contrários das liberdades, o Partido Socialista convocou uma manifestação para a Fonte Luminosa, em Lisboa, organizada por António Guterres, no dia 19 de julho de 1975, na véspera houvera outra no Porto, em seguimento do Caso República, de que já aqui falei e da demissão dos ministros socialistas do IV Governo Provisório.
Recordo aqui as palavras iniciais do discurso de Mário Soares, iniciado às 22h15, que aliás ilustram bem alguns momentos que passei, juntamente com dezenas de camaradas do PS nesse dia, sob a pressão dos militares do RALIS, na antiga portagem da A1, em Sacavém: «O dia de hoje foi um dia grave na história do nosso povo. Depois de uma campanha alarmista de boatos sem precedentes, de uma ‘intentona’ artificial, de uma falsa conjura com intenção de enganar o povo; depois disso, organizaram-se barreiras para impedir que o povo dos arredores de Lisboa, deputações do povo de Portugal viesse aqui manifestar-se livremente, em favor da liberdade, da democracia, do socialismo. (...)»
Realmente houve confrontação física para impedir que os militares obstruíssem a passagem de milhares de pessoas com destino à manifestação.
Acabámos por vencer e a Fonte Luminosa acolheu nesse dia, o maior número de que há memória na história dos comícios e manifestações dos últimos quase quarenta anos democráticos. Foi a vitória do Povo. Foi assim que Mário Soares terminou o seu discurso: «Este foi um dia de vitória. Tenhamos confiança
no futuro, tenhamos confiança no nosso Povo. A revolução está em marcha e não para. Venceremos!»
Acabou por ser o ponto de viragem que permitiu a estabilização do regime, finalmente quatro meses depois.