Carlos Semedo
A Cidade e a Gratidão

Quando há cerca de trinta anos comecei a visitar Castelo Branco semanalmente, dificilmente adivinharia que a cidade iria ser o centro da minha vida, tanto ao nível familiar como profissional. Nos primeiros anos, numa total concentração e dedicação ao Conservatório Regional de Castelo Branco, aprendi como um conjunto muito importante de profissionais destacados na área da música, acolhiam a cidade com um carinho e devoção que hoje olho com o coração saudoso. Músicos como António Saiote, António Oliveira e Silva, Luísa Vasconcelos, Manuel Teixeira, Irene Lima, José Diniz, Christopher Bochmann, Paulo Valente Pereira, Helena Pina-Manique, Irene de Melo, entre muitos outros, ensinaram-me [e a muitos outros] quase tudo o que hoje sei, no domínio musical. Mas ensinaram-me que a periferia e a ideia de província, agora transformada em interior profundo, era um estado de alma. Gostavam de ensinar em Castelo Branco, de viver a cidade nas suas diversas dimensões e queriam ajudar no seu crescimento. Foi precisamente com Oliveira e Silva que, em almoços e jantares aprendi a apreciar as versões de obras barrocas com instrumentos da época. Aliás, para quem não se lembra, o Conservatório teve uma das primeiras orquestras barrocas do país, com um funcionamento regular e que, talvez para espanto de alguns, estreou obras em versão moderna.
E foi nesses momentos fundadores da minha idade adulta que entendi que a grandeza das cidades para além de se encontrar na sua história e património, tinha lugar nas pessoas, na sua capacidade criadora, mobilizadora e nos seus projectos. Foi na pessoa da D. Maria do Carmo Gomes, directora do Conservatório durante tantos anos, que senti e assimilei que os horizontes largos são hoje, tão possíveis aqui, terra dos muros de Amato Lusitano, como em Coimbra, Lisboa, Salamanca, Veneza ou Salónica.
Foi também nessa altura que conheci pessoas que me marcaram de uma forma intensa, como o poeta António Salvado e António Russinho, duas personalidades muito diferentes e multifacetadas, que têm uma importância central na história recente de Castelo Branco. Andava já eu na itinerância pelas escolas do 1º Ciclo, num projecto que me deixou saudades, o “Crescer com a Música”, quando comecei a explorar verdadeiramente os cantos da cidade e das aldeias e vilas do concelho. Era assim uma espécie de recuperação da adolescência não vivida na Beira [sou do norte alentejano]. Já que falam tanto do Barrocal, deixa-me lá ver do que se trata. E foi assim que das ruas da zona histórica até ao Monte de S. Martinho, todo um respirar da cidade eu apreendi o melhor que pude. Aqui muito posso agradecer, entre outros, ao Pedro Salvado e ao Leonel Azevedo pelo que me têm ensinado.
E, quase sem dar conta, comecei a escrever sobre Cultura. Por vezes críticas, que procurava serem construtivas; outras, com comentários e apreciações sobre acontecimentos culturais. Sempre me pareceu que era uma excelente forma de enriquecer o espaço público, na área que mais me interessava. Na verdade, sinto que sem grande sucesso, pois sempre foi raro que a discussão se abrisse a aprofundasse, talvez pela falta de qualidade ou acutilância dos escritos. Mas creio que fui aprendendo a conhecer melhor a cidade e a pensar a Cultura, nas suas relações múltiplas com os cidadãos e com as instituições.
E, subitamente, em 2009, fui convidado para programar no Cine-Teatro Avenida, um espaço cultural da maior importância para a região e uma responsabilidade enorme. O escrutínio deve ser feito pelos cidadãos e pelos responsáveis políticos na Câmara Municipal de Castelo Branco, mas procurei corresponder ao convite com toda a dedicação e dando o melhor que sei, durante os últimos quatro anos. Agora que as eleições já passaram e que quem me convidou acabou o seu último mandato, não posso deixar de agradecer publicamente, através desta singela crónica, ao presidente da Câmara Municipal, Joaquim Morão, pela confiança que depositou no meu trabalho. Sei que o poderia dizer simplesmente em privado, mas o espaço público é para quem gosta, como eu, do risco da acção e das virtudes da clareza e transparência. Obrigado.