30 outubro 2013

Fernando Raposo
De Volta ao Ponto de Partida

Vítor Gaspar enganara-se recorrentemente, enquanto fora Ministro do Estado e das Finanças. Reconhecera-o perante todos os portugueses, ao tornar pública a carta de demissão que antes endereçara a Passos Coelho, Primeiro-Ministro. Redimira-se assim perante todos aqueles que foram vítimas dos seus erros.
Conhecida a proposta de orçamento para 2014, fica a ideia de que Passos nada entendera do que Gaspar lhe dissera, ou então entendeu mas não lhe deu importância.
Dissera Gaspar que “o incumprimento dos limites originais do programa para o défice e a dívida, em 2012 e 2013, foi determinado por uma queda muito substancial da procura interna, … que provocaram uma forte quebra nas receitas tributárias. A repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto Ministro das Finanças” (carta de demissão, 1 de Julho de 2013).
Foi nisto que deu o célebre “brutal aumento de impostos”. Não era preciso ser “iluminado” em matéria de finanças para prever consequências tão dramáticas. O raciocínio é muito simples e de fácil compreensão: com menor rendimento disponível, as pessoas compram menos e aqueles que produzem (bens, serviços, …) vendem menos e daí até à falência é um pulinho. O desemprego aumenta, o Estado arrecada menos receita (impostos, contribuições, taxas), a despesa com prestações sociais aumenta, etc. O Desfecho era inevitável.
Enquanto o défice público na zona euro e da união europeia foi, em 2012, de 3,7% e de 3,9%, respectivamente (www.rtp.pt), em Portugal foi, no mesmo ano, de 6,6% (www.jornalnegócios.pt). Em 2013 a situação não é melhor, prevendo-se um défice na ordem dos 6%.
Com o sector produtivo bastante depauperado, o país não consegue gerar a riqueza necessária para acomodar o Programa de Ajustamento que nos tem vindo a ser imposto em tempo tão curto e de modo tão asfixiante. O resultado não podia ser outro que não fosse o do aumento da dívida. Em 2012 roçou o limiar de 124,1% e em 2013 prevê-se que atinja os 127,8% (www.publico.pt...).
A taxa de desemprego é assustadora, em particular a do desemprego jovem. O país “empurrou” para o exterior aqueles que hoje melhor poderiam servir o país. Os mais jovens e os mais qualificados.
Foi por tudo isto que Gaspar se demitira. Ao reconhecer publicamente os seus erros, o ex-ministro das Finanças “exigira” a rápida transição para uma nova fase de ajustamento, a fase do investimento.
Passos e a Ministra das Finanças, que antes fora Secretária de Estado de Gaspar e que este, ao que dizem, a propôs àquele como ministra, fizeram de conta que não ouviram ou então não entenderam.
Perante a incapacidade em encontrar respostas consentâneas com as necessidades de sustentabilidade do país, o governo lança mão do expediente mais simples, ou seja, reduzindo os rendimentos dos funcionários públicos e dos reformados e pensionistas sob pretexto de reduzir assim a despesa pública, e aumentando a carga fiscal.
Luísa Albuquerque limita-se a decalcar os orçamentos de Gaspar e a engordar a coluna das receitas ficais e a emagrecer a dos encargos com pessoal e com os encargos sociais. Um simples, mas maquiavélico, exercício de aritmética, entre o deve e o haver.  
Porque o corte na despesa não resulta de um plano de reforma aturado, reflectido e consensualizado, no sentido de tornar o Estado mais eficaz e eficiente, a diminuição dos rendimentos dos funcionários públicos e dos reformados e pensionistas, de forma arbitrária e sem critério, só pode ser entendida como um imposto selectivo sobre estes portugueses.
Existe hoje na opinião pública um forte consenso sobre a necessidade de reformar o Estado, quanto á sua forma de organização e sobre os serviços que presta aos cidadãos, mas o governo de Passos e de Portas já não goza de credibilidade bastante para poder mobilizar os cidadãos e ser, por conseguinte, o seu representante legítimo.
 Talvez por incapacidade, obsessão ideológica, insensatez ou até por coisa nenhuma, quem sabe, Passos e Portas enredaram-se num círculo vicioso de que não conseguem sair, arrastando-nos neste já longo e penoso calvário, sob o conformismo do Presidente da República e o distanciamento calculista da troika.
O Presidente da República poderia e devia, face às previsíveis inconstitucionalidades de algumas medidas do Orçamento do Estado para 2014, promover, junto do Tribunal Constitucional, a sua fiscalização preventiva, evitando que o país mergulhe uma vez mais num novo período de incerteza.
A não ser que Cavaco Silva queira “ver-se livre”da troika e, neste caso, opte por requerer a fiscalização sucessiva e enquanto “a coisa ata e não desata” no Tribunal Constitucional, o tempo passa, a última avaliação (a 10ª) sobre a execução do Programa de Ajustamento decorre de acordo com o interesse de ambas as partes, ou seja, com êxito. A última tranche do empréstimo passa, entretanto, para o nosso lado e o Presidente da República pode agora dormir tranquilo, “deitar borda fora” o governo de Passos e Portas, convocar eleições antecipadas e …
 Esta seria uma jogada de mestre.
Depois é só tocar a reunir porque voltámos ao ponto de partida, mais precisamente ao PEC IV. Mas agora com o país em cacos.
Vêm aí uma nova ajuda externa, chame-se ela segundo resgate ou programa cautelar.

29/10/2013
 

Outros Artigos

Em Agenda

 
29/05 a 12/10
Castanheira Retrospetiva Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco

Gala Troféu Gazeta Atletismo 2023

Castelo Branco nos Açores

Video