Maria de Lurdes Barata
A MINHA T-SHIRT DO 25 DE ABRIL PARA UM ABRIL SEMPRE
Corria o ano de 1974. No sossego da noite de estudo de 24 para 25 de Abril, entregava-me à preparação para o exame de Psicologia Escolar leccionada pelo professor Émile Planchard em Coimbra. Era uma cadeira do Curso de Ciências Pedagógicas, sem o qual não poderia aceder-se ao estágio que concedia a profissionalização de professores. Geralmente, o curso era conseguido depois de se estar a trabalhar, por vezes já com muitos anos de ensino, abrangendo um público discente das mais diferentes idades.
Antes das seis horas da madrugada preparei-me para rumar em direcção a Coimbra, aproveitando a viagem para ouvir uma cassette gravada com alguma matéria mais difícil. Não liguei o rádio, ouvindo música ou notícias, pois todo o tempo era para aproveitar em função do estudo.
Dealbou o sol, dormitei um pouco, porque o meu companheiro de viagem, o marido, se encarregava da responsabilidade de conduzir. Apesar da velha estrada de então, a chegada a Coimbra permitiu-me (antes do exame) uma passeata breve pela Baixa com o intuito de desanuviar e usufruir de um pouco de ar fresco. Espreitadela pelas montras depois de uma reconfortante bica rápida e uma estranheza porque todos os donos e empregados estavam às portas das lojas com ar de caso, «provavelmente houve um acidente ou morte de alguém muito conhecido cá em Coimbra», comentei com o meu marido. Uma montra atractiva chamou-me para dentro da loja, apesar da cara contrariada da balconista, quando deixou a porta e teve de atender-me. Senti vontade de perguntar-lhe o que se passava, mas continuei discreta. Optei por uma T-shirt de algodão (começavam então a usar-se) de manga comprida, irradiante de vermelhos e verdes de Primavera, com pequenos desenhos que estampavam um aspecto florido. Eram para mim cores primaveris, passaram a ser as cores da bandeira portuguesa, as daquela T-shirt que se transformou na minha T-shirt do 25 de Abril de 1974! Quando soube? Fiz o exame (estranhando haver muito menos candidatos desta vez!) e só à hora de almoço (em circunstâncias bem divertidas para as quais não tenho espaço de relato) soube de «uma revolta, um golpe militar em Lisboa, com o Marcelo Caetano já preso» e nós a dizermos «que mentira!», «que parvoíce, o que inventam!». Era mesmo verdade!
Veio a Alegria misturada com perturbação, uma tontura que dava pensar na liberdade, uma liberdade que anunciava muitas coisas imaginadas e não se imaginava quantas! Foi o regresso a Castelo Branco, sempre a apanhar notícias pela rádio, agarrados à televisão depois, com interrogações do incrível e da promessa.
Era o 25 de Abril de 1974 a colocar um marco na nossa História. Abril a continuar, com Abril de sim Abril de não, com ganho e perda nos 25 de Abril que se seguiram. Hoje perda de muito do conquistado, hoje com o renascimento do Grândola vila morena, activando-se na voz dos portugueses, vozes de protesto e apelo, porque uns poucos grandesquerem comer tudo e não deixar nada… Todavia, na alma nunca morrerá o 25 de Abril. Abril valeu, nem que tivesse sido apenas pela queda da PIDE, porque há uma geração, na qual me incluo, que sabe que as histórias com a PIDE não são ficcionais. Abril de sim Abril de não? Mas Abril para sempre.
A minha T-shirt do 25 de Abril está no fundo de uma mala de recordações (não posso vesti-la, já não me serve, que pena!), uma T-shirt primaveril, com as cores de verde e vermelho da bandeira portuguesa, a minha T-shirt que é marco duma época importante que se abriu à liberdade, ao amor, à mudança desejada. Quero que a minha T-shirt do 25 de Abril conserve as cores vivas. Para um Abril sempre!