Fernando Raposo
Nunca é Tarde Para Arrepiar Caminho
Quase “queimados” que estão os anos que levamos de Troika, o país está hoje mais desigual. As assimetrias entre o litoral e o interior, são agora mais acentuadas.
Logo no início do programa de ajustamento, alertara, em artigo de opinião, para a necessidade de “repensar o país em todos os sectores e dimensões da vida em sociedade, na perspectiva do desenvolvimento harmonioso e equilibrado de todo o território nacional” sublinhando a ideia de que se a crise com que o país se tem vindo a confrontar “pode ter algum efeito positivo é o de, pelo menos, contribuir para uma maior consciencialização de todos sobre a necessidade imperiosa de reordenar e racionalizar os serviços que o Estado presta aos cidadãos…” (Ensino Magazine).
Não sei se por teimosia, por impreparação ou, quem sabe, por tacticismo ideológico, nada se fizera em termos de reformas. O governo limitara-se a gerir a conta corrente entre o deve e o haver, vendendo o que ainda possuía, e que constituía objecto de cobiça por parte dos grandes grupos económicos e financeiros, e a “arrebanhar” parte dos rendimentos dos que ainda trabalham e dos que vivem da sua reforma.
Apesar do esforço dos portugueses, em consequência da elevada carga fiscal e do corte dos vencimentos dos funcionários públicos e das reformas dos aposentados, o governo tem vindo a reduzir, e até mesmo a suprimir, os serviços que lhes presta. A maioria deles, em particular os que residem no interior do país, tem agora maior dificuldade no acesso à saúde, à justiça, à educação, etc.
Endeusado pelo princípio da auto-regulação dos mercados e rendido às leis da oferta e da procura, o governo tem vindo, com as medidas tem vindo a tomar unilateralmente, a acentuar os desequilíbrios entre o litoral e interior. O sentimento dos que ainda teimam em lutar pelo interior, em nome da coesão territorial, é a de que os governantes do PSD e do CDS se juntaram para nos “tramar”. Tudo se encaminha no sentido de se encerrar e destruir muitas das instituições desta parte do território mais afastada do litoral, mas apesar de tudo muito mais próxima do centro da Europa.
Impunha-se nesta fase, já que o Secretário de Estado do Ensino superior fez chegar às instituições de ensino (Politécnicos e Universidades) as “Linhas da Reforma de Ensino Superior”, uma reflexão aturada, e partilhada pelos diferentes agentes educativos, partidos, autarcas, agentes económicos, sindicatos, entre outros, em nome da oferta equilibrada de formações por todo o território, quer quanto à sua natureza (académica e profissionalizante) quer quanto ao grau académico (licenciatura, mestrado e doutoramento) e do reforço das instituições de ensino superior.
Quando há dias o Senhor Secretário de Estado, Professor Doutor José Ferreira Gomes, dissertou, no Encontro “Que Políticas para o Ensino Superior no Interior do País”, promovido pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP) e que teve lugar nos Serviços Centrais do Instituto Politécnico de Castelo Branco, sobre a “bondade” da criação dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTSP), de dois anos, a leccionar apenas nos Institutos Politécnicos, depressa se percebeu que a propalada reforma do ensino superior não passa de um logro, cujo objectivo consiste apenas em cortar, de forma cega, e assim reduzir os orçamentos das instituições.
A irredutibilidade das posições do Secretário de Estado quanto à insistência na criação daqueles cursos, em coexistência com os Cursos de Especialização Tecnológica (CET) nas escolas profissionais, cujos objectivos se sobrepõem, e de igual nível profissional (nível 5), em nada contribuirá para a afirmação e dignificação dos Institutos Politécnicos, sobretudo dos do interior país, e terá consequências quanto a sua sustentabilidade.
Numa altura em que se assiste à redução da procura dos cursos de ensino superior, em consequência das dificuldades económicas das famílias, dos custos com a formação (propinas, alojamento, transportes, materiais), entre outras razões, não se compreende a criação deste tipo de cursos no ensino superior que, como refere o CCISP em comunicado do dia 06 de Fevereiro, “nada acrescenta aos actuais CET, antes consistindo numa sobreposição inconsistente e incompreensível, afectando a racionalidade do sistema e debilitando a sua eficácia”.
Quando ao longo destes três últimos anos se tem vindo a assistir a um excessivo corte nos orçamentos das instituições de ensino superior com consequências graves para a qualidade dos serviços que prestam, não se compreende que o governo venha agora anunciar “que o financiamento de 20 milhões anuais estará garantido nos próximos sete anos” para este tipo de cursos (www.publico.pt , Maria João Lopes, 07-02-2014).
Sublinhe-se ainda que os alunos que frequentam os CETs nas escolas profissionais são apoiados financeiramente, enquanto aqueles que vierem a frequentar os cursos técnicos superiores terão de pagar propinas.
Pelas razões expostas e face à indisponibilidade já manifestada pelos Institutos Politécnicos para leccionar os CTSP no modelo proposto, seria prudente que o Secretário de Estado “parasse um pouco para pensar”, antes que seja tarde e destrua tudo o que se fora construindo e consolidando ao longo dos anos, desde a chamada Reforma de Veiga Simão, em 1973.
Nas palavras sábias do povo, nunca é tarde para arrepiar caminho.