30 de abril 2014

Carlos Semedo
A Incontrolável inevitabilidade

“O artista é a força incontrolável: não há olhos ocidentais que, depois de Van Gogh, olhem um cipreste sem ver nele o despontar de uma chama.”
George Steiner

No passado 25 de Abril tive a oportunidade de partilhar durante umas horas a sensibilidade e o afecto de um grupo de duas dezenas de pessoas que participou no Encontro de Sketching e Fotografia “Imagens de Abril”. A partir da exposição de fotografia que se encontra patente na Sala da Nora, fizemos o acompanhamento e registo das actividades realizadas na rua. Bandas Filarmónicas, um grupo de Percussão, a inauguração da Praça 25 de Abril, um cravo gigante no castelo e gente. Muita gente que circulava, que bebia o seu café nas esplanadas, gente que participava nas iniciativas.
Foi na rua que o 25 de Abril de 1974 se fez e nós vivemo-lo, passados 40 anos, ali mesmo, no coração da cidade, na Devesa, celebrando a Liberdade, esse valor supremo que muitos teimam em não respeitar. Quando olhei para algumas das fotos que fui desenhando ao longo do dia e as comecei a ordenar, intui que o dia tinha corrido muito bem. Sentia-se a Liberdade que gozamos, apesar de tudo. E ao longo dos dias, à medida que fui recendo mais contributos dos participantes, reforcei essa ideia e esse sentimento. No entanto, o apesar de tudo foi ganhando força e procurei tentar entender o porquê desse amargo que quebrava essa sensação tão boa de comunidade, de pessoas que vivem a cidade de uma forma aberta e participativa.
Não me atirem pedras, mas uma das primeiras coisas que me veio à cabeça foi o acordo ortográfico, essa aberração que condiciona cada vez mais a forma como nos relacionamos com a língua. E se a língua é a nossa pátria, porque deixamos que a mesma fique presa num labirinto sem sentido como este? Quem tem tanto poder para continuar a fazer-nos vogar num disparate destes?
Depois, pensei na escola, esse terreno no qual tantos progressos fizemos nestes 40 anos. Quem se lembra do tempo no qual dizer que ter a 4ª classe já era uma maravilha? Pois eu ainda ouvi essa frase muitas vezes, coisa impensável, nos dias de hoje. E, no entanto, parece que a escola está transformada num território onde a burocracia impera e na qual os professores são, cada vez mais, uns “trabalhadores como os outros”, uns “privilegiados com férias a mais” e uns números em folhas de excel. Há coisas sobre as quais tenho muitas dúvidas, mas esta faz parte das certezas: pagaremos muito caro se a escola replicar a dificuldade que a sociedade tem em assumir a igualdade de oportunidades.
E através da educação acabo por chegar ao meio no qual me movimento: a arte e a cultura. Nunca tivemos, em Portugal, tanta gente capaz e formada em áreas artísticas. Nunca as escolas superiores e universidades formaram tantos jovens que estão hoje por aí a desenvolver, ou tentar, o seu trabalho artístico, nalguns casos de excelente qualidade. Para os pais, hoje, quando chega o 12º ano de escolaridade do seu filho ou filha, a possibilidade de ouvir falar em teatro, cinema, design, música, dança desenho e pintura é elevada e é, a meu ver, uma das grandes conquistas da Liberdade.
Remeto-vos para a frase do George Steiner e sugiro que reflitam sobre ela e a relação da mesma com o contexto de inevitabilidades no qual vivemos. Sim, leram bem. Incontrolável não rima com inevitabilidade.

30/04/2014
 

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