Valter Lemos
O politécnico e a política do preconceito
OS POLITÉCNICOS TÊM MENOS ALUNOS, MENOS RECURSOS E ESTÃO MAIS AMEAÇADOS DO QUE ANTERIORMENTE… É ESSA POLÍTICA DO PRECONCEITO, SEGUIDA PELO GOVERNO QUE PROMOVE A DEGRADAÇÃO DOS POLITÉCNICOS… A POLÍTICA DO PRECONCEITO É SEMPRE CONTRA A COESÃO SOCIAL, MAS TAMBÉM CONTRA A COESÃO TERRITORIAL.
O ensino superior politécnico foi criado em Portugal por Veiga Simão na reforma de 1973. À data, o ensino superior era constituído somente por três universidades: Lisboa, Porto e Coimbra. Foram então criadas novas universidades, institutos politécnicos e escolas normais superiores, para além da integração das escolas do então ensino médio (institutos comerciais e industriais, escolas de regentes agrícolas, etc.) nos novos politécnicos e universidades. Após 74 a reforma foi abandonada nas vertentes relativas à criação de politécnicos e escolas normais superiores, tendo só continuidade a dimensão relativa à criação das novas universidades. Os dois politécnicos entretanto criados (Covilhã e Vila Real) são transformados em institutos universitários (Beira Interior e Trás-os-Montes e Alto Douro).
Na sequência da crise financeira ocorrida nos anos seguintes, algumas instituições internacionais tiveram intervenção em Portugal, designadamente o Banco Mundial que, em 1978 anunciou um empréstimo de 47,9 milhões de dólares para construção de uma rede de escolas de ensino superior voltada essencialmente para uma formação com acentuação da vertente prática de técnicos qualificados e de professores e educadores. Assim em 1979 o “governo Pintasilgo” (como ficou conhecido) recriou em grande parte a rede de institutos politécnicos e escolas normais superiores (agora designadas escolas superiores de educação) na maioria das capitais de distrito do país.
Numa primeira fase as distinções mais formais entre universidades e politécnicos eram os graus académicos concedidos, as carreiras docentes e a autonomia na criação de cursos. Os politécnicos concediam o bacharelato e as universidades concediam licenciaturas e mestrados. As universidades criavam os seus cursos livremente e os politécnicos dependiam do governo para o efeito e a carreira docente universitária requeria o grau de doutor e a politécnica o grau de mestre.
Várias destas distinções foram mudando com o tempo. Com o desenvolvimento da lei de bases do sistema educativo de 1986, os politécnicos passaram a conceder também licenciaturas a partir de 1990, inicialmente nas escolas superiores de educação e de forma generalizada em todas as escolas a partir de 1997.
De 2005 a 2009 ocorre uma reforma significativa no ensino superior. Esta reforma, aplicando diversos princípios comuns aos diversos países europeus veio fazer convergir mais os ensinos universitário e politécnico. Este passou a poder conceder não só licenciaturas mas também mestrados, o sistema de aprovação de cursos passou a ser semelhante e as carreiras docentes passaram a ser coincidentes nos requisitos (o doutoramento passou a ser requisito também para a carreira do politécnico à semelhança do universitário) e paralelas nas categorias. A reforma do ensino superior do governo Sócrates fez pois convergir os requisitos e condições do ensino universitário e do ensino politécnico, como nunca antes acontecera.
Esperar-se-ia pois que, face a esta convergência de condições e a uma maior qualificação dos politécnicos e dos seus docentes, o desenvolvimento daqueles tivesse um incremento na qualidade e quantidade do serviço que prestam ao país. Mas os últimos quatro anos trouxeram precisamente o contrário. Os politécnicos têm menos alunos, menos recursos e estão mais ameaçados do que anteriormente.
Segundo as estatísticas oficiais do próprio ministério da educação, os politécnicos públicos perderam perto de 12 mil alunos de 2011 para 2014 (de 115 mil para 103 mil) precisamente o número de alunos que tinham subido de 2005 a 2010, enquanto as universidades ganharam mais 5 mil alunos (passando de 193 para 198 mil). Para se perceber melhor a importância da questão deve referir-se que os politécnicos cresceram anteriormente sempre em número de alunos, quase duplicando de 1995 (60 mil) a 2010 (115 mil).
Portanto a atual situação não se deve ao acaso. Deve-se a uma política que tem insistido em desvalorizar estas instituições. A última medida anunciada pelo ministério da educação refere-se à proibição de transferências entre universidades e politécnicos, anunciada na primeira página do Diário Económico, já conhecido pelo seu preconceito nesta matéria, diz bem do pensamento que tem orientado a política de ensino superior e vem juntar-se a um conjunto de outras como a criação de cursos sem grau nos politécnicos (estupidamente designados de cursos técnicos superiores profissionais – os outros técnicos superiores são não-profissionais?). Tais cursos foram anunciados pelo secretário de estado do ensino superior como meias-licenciaturas!!! E podemos já estar certos de uma coisa: tais cursos, quer tenham ou não alunos, já causaram e continuarão a causar graves prejuízos à imagem e representação pública do politécnico. Mas, já anteriormente declarações como as do ministro da educação sobre a formação de professores (aliás completamente desmentidas pelos factos que mostram que as Eses tiveram menos cursos reprovados pela agência independente de avaliação do que as universidades) haviam mostrado bem a visão preconceituosa dos responsáveis governamentais.
É essa política do preconceito, associada a cortes cegos de recursos, a que tem sido seguida pelo governo promovendo a degradação dos politécnicos. Mas, a degradação destes terá também muita influência na degradação das cidades e das regiões onde existem, com especial impacto no interior do país. Uma política de preconceito com os politécnicos é também uma política contra Castelo Branco, a Guarda, Bragança, Portalegre, Beja, Viseu, Santarém, etc. A política do preconceito é sempre uma política contra a coesão social, mas também contra a coesão territorial.
Esta situação tem sido objeto de protesto de diversos responsáveis dessas instituições e de alguns políticos locais, mas, deve dizer-se que, infelizmente, também tem tido em algumas instituições e regiões a indiferença cúmplice ou até a conivência de outros, o que não deixa de ser preocupante e merece uma reflexão face aos lamentáveis resultados, para o ensino superior politécnico, destes quatro anos de governo.