Antonieta Garcia
O Rei vai nu…
Não foi feliz a expressão “contos de criança” aplicada ao programa, reivindicações/propostas dos gregos. E todavia, não fosse o tom usado pelo Sr. Primeiro-Ministro português e a leitura até podia ser outra. Normalmente, o conto de criança acaba bem. Deste modo, a apreciação incluiria aquela dose de “bons fluidos” necessários, como o pão para a boca, para debelar a crise europeia. Assim o tapete fugiu debaixo dos pés, as palavras voaram; não voltarão atrás.
Em que pensava o P. M.? Imaginou Tsipras como um qualquer Capuchinho Vermelho rebelde, a arriscar-se a ser comido por um Lobo mau?
Configurou a Alemanha como Carochinha, a que encontrou a moedinha, vir para a rua bradar: “Quem quer casar com Maria Austera, recatada e severa?” Tsipras, neste momento, não aceitaria tal matrimónio que era triste sorte acabar num caldeirão como aconteceu com o João Ratão…
Também não me parece que o conto “Pedro e o Lobo”, fosse o modelo, porque Pedro com as reiteradas mentiras perdeu o crédito das pessoas e, esse sim, acabou na boca do Lobo. Para já (olhem o cuidado), nem Tsipras, nem Varoufakis encarnariam esta personagem. Estes governantes gregos são rebeldes, sim senhor, intranquilizam, incomodam, não desistem, não capitulam. Muniram-se de palavras diferentes e, para quem nada tem a perder, são armas benfazejas.
Certo é que o programa, dito da Troika, não correu bem. Os países empobreceram, apesar da Austeridade não geraram riqueza, para poderem pagar a dívida que, ao invés de diminuir, cresceu como cancro maligno… O desemprego aumentou como nunca, a infelicidade também. Em suma, os deuses não colaboraram com os juízes que decidiram que havia povos que viviam acima das suas possibilidades. Democraticamente dividiram os erros e os europeus estão, agora, inseguros, amedrontados, atónitos. Que é dos nossos filósofos? Que é dos grandes estadistas?
Da Grécia, país de nascimento da democracia, matriz da cultura ocidental, um governo liderado por heterodoxos põe o dedo na ferida. Os troikistas habituados a embrulhar num guardanapo governantes que defendem, sem questionar, que “manda quem tem dinheiro”, face a dois intemeratos decididos a dialogar e a achar soluções, vacilam.
Argumentam racionalmente, convictos, ousando desafiar certezas de ortodoxos austeritários. Sem dúvida, que o modo como se crê suporta a capacidade de defesa da crença. E depois de enxovalhos, humilhações, graçolas, como as proferidas por um mandante alemão, do tipo: Não têm dinheiro?.. Vendam as ilhas! -, a gramática da política norte-sul mudaria inevitavelmente. Não é aceitável que se fira, assim, o orgulho de um povo.
O problema aumenta, quando se elege para defender, em vez das joias da coroa, um qualquer pastel de nata; delicioso, come-se, elogia-se e esquece-se. É efémero, tão efémero… quanto a figurinha de, aconteça o que acontecer, ser atento, venerador e obrigado. O futuro dos povos merece outra conjugação do futuro. Afinal, dignos de dó são os que abdicam, antes de tentar. É loucura? Mas que outro modo de embalar, neste contexto, os desejos de alma? Pedem pouco à vida, ou pedem-lhe tudo, os doidos da crença. Sul, sol, mar e sonho trazem a luz que falta aos contadores de moedas. E que mais não seja, independentemente do que venha a acontecer, nada ficará na paz podre do manda quem pode, obedece quem deve. Presumo que a Senhora Merckel, mulher inteligente, ainda acabará a dançar com Zorba, o grego, versão Varoufakis, e apreciará os latinos. Mas não deixe que lhe tapem os ouvidos, como aos marinheiros que acompanhavam Ulisses. Ouça, dance, dialogue e delicie-se com a música de uma outra alma europeia. Desate amarras e convencionalismos… Quem sabe a Grécia e mais países do sul… não lhe oferecerão a paz, ao decidirem propalar que “O Rei vai nu”… o “conto de crianças” em que o P. M. português não pensou.
Bem sei que “muitos odeiam a tirania, apenas para que possam estabelecer a sua” – Platão -, mas acreditar é próprio do homem…