12 de agosto de 2015

Celeste Capelo
A Austeridade

Por estarmos num período de férias, por isso mais favorável ao lazer, e como sempre nesta altura do ano, apetece-me escrever algo mais brejeiro embora no fundo aquilo que vou relatar seja bem profundo a começar pelo título da crónica.
Lembro-me que há uns anos atrás relatei uma conversa, fictícia obviamente, de uns senhores que tomavam umas cervejas, cavaqueando à roda de uma mesa numa esplanada ao ar livre, e outra crónica que transcrevia o teor de um telefonema, também fictício, que um senhor, de provecta idade, fez ao filho.
Embora o título de Austeridade, e porque bem a sentimos, nestes últimos tempos, não seja propriamente uma palavra que se preste a qualquer brejeirice, mas entretanto apetece-me partilhar com os leitores, a conversa que ouvi num Centro de Saúde, enquanto esperava pela minha consulta, pelo que ela também me obrigou a reflectir nas palavras que ouvia, de quem teve outras experiências de vida.
Pelo que ia ouvindo percebi que um dos intervenientes na conversa, tinha sido emigrante na Suíça e, o outro, viveu sempre em Portugal. Curiosamente o que foi emigrante, tem um filho que agora está emigrado em Angola, e ia ao Centro de Saúde para marcar uma consulta para ele, que regressaria na semana seguinte. Como não era possível marcar para essa data, foi aconselhado a esperar para poder falar com o médico, a fim de resolver o problema que me parecia justo, e, pelo ar tranquilo do senhor também me pareceu que ele aceitou a sugestão do administrativo e esperar para poder falar com o médico.
Os dois, e pelo à-vontade e tratamento sem-cerimónia, com que conversavam, tratando-se pelo nome, deduzi que se conheciam há longo tempo. Falavam então da Austeridade.
Dizia o que esteve na Suíça, de seu nome Victor, para o Francisco que tratava por Chico:
Vê tu ó Chico que agora só me dão a reforma da Suíça quando fizer 66 anos. Já estava a contar com ela daqui a 2 anos, assim ainda tenho de esperar mais 2. E a minha mulher também, isto é, antigamente as mulheres reformavam-se mais cedo, aos 62 e agora é aos 64. Ora ela, pela reforma antiga, já tinha direito para o ano, e agora tem de esperar mais 2 anos.
Aqui também é assim, dizia o Chico, a reforma também aumentou para mais tarde. Dizem que é por causa do aumento da esperança de vida…, mas também tem a ver com a Austeridade, segundo oiço nas notícias.
Diz o Victor: Também não entendo o que oiço, e em conversa lá na Associação do bairro, também ninguém se entendia com a palavra Austeridade. Uns diziam que era preciso acabar com a austeridade, outros diziam que com austeridade não há crescimento e a economia também é prejudicada. Não me meti na conversa, porque quando falo gosto de saber o que digo. Entretanto aparece na televisão, que estava ligada na sala de espera, as notícias sobre a Grécia.
Só podiam levantar 60€ por dia … Deus queira que isto não chegue cá a Portugal, disseram os dois quase em uníssono.
Quando cheguei a casa, diz o Victor, resolvi pedir à minha neta, do meu filho João, esse ainda teve sorte. É o mais velho, esteve sempre cá a trabalhar com trabalho certo, lá tem governado a vida dele e a filha, a minha neta, até já está quase a acabar o curso na Universidade.
E o Victor continuou:
Pois como te estava a dizer pedi à neta para me dizer o que significa Austeridade. Ela nem foi ao dicionário. Estava com o computador no colo carregou lá nas teclas como que escreve à máquina e disse:
Avô: Austeridade significa rigor, severidade, integridade no sentido de honradez e honestidade.
Como já perceberam era o Victor que falava mais.
Entretanto, e como a sala de espera também tem televisão, lá aparece uma voz feminina a dizer que é preciso acabar com a Austeridade.
O Chico que até aqui tinha estado calado, disse com um ar enfadado:
Lá está aquela outra vez com o não pagar a dívida e acabar com a Austeridade. E virando-se para o Victor disse:
Olha lá ó Victor, quando estavas lá na Suíça, fizeste a tua casinha aos poucos, ainda pediste um dinheirito emprestado ao João da Mina, e tu não pagaste tudo?... Claro que sim retorquiu o Victor.
Pagaste sim senhor, que o João bem me disse que eras um homem sério….. E continuo a ser, diz o Victor, interrompendo o Chico.
Pois então a tua neta não te disse o significado da palavra Austeridade? Rigor, honestidade… Então diz-me lá: O que se deve, não é para pagar? Tiveste ou não de fazer sacrifícios, poupar, para agora teres alguma coisinha?
Pois, mas o meu filho mais novo, que tem alguns estudos teve de ir para Angola, porque cá não há empregos, respondeu com alguma tristeza, o Victor.
E tu, Victor não foste para a Suíça? O meu avô não foi para o Brasil? E veio de lá, deu sempre uma boa vida à minha avó, à minha mãe e aos meus tios.
Mas a minha neta também me disse que hoje há outras formas de resolver os problemas através das engenharias financeiras….
Se for como as engenharias de agora, que fazem um prédio e passados 5 anos estão a precisar de obras….interrompeu o Chico. Olha, a casa que o meu avô construiu quando veio do Brasil ainda está de pé, vive lá o meu tio, fez uma casa de banho, e está lá porreiro… Sempre fomos um País de emigrantes, para a Argentina, Brasil, América, Luxemburgo, Suíça e pelo mundo fora há sempre portugueses
O Victor ficou pensativo, como sem saber qual teria razão. O Chico ou a neta?
Entretanto soou a sineta com uma voz que chamava Francisco Ramalho para a consulta. Os dois homens despediram-se e eu continuei a observar o Sr. Victor que ficou com um ar pensativo, meditando na conversa com o amigo ou pensando conseguir a consulta para o filho, que terá chegado na semana seguinte.
Só espero que tenha conseguido a consulta para o filho…
Tal como o Victor também eu fiquei pensativa recordando a história de Portugal desde os descobrimentos, à diáspora, e a reflectir sobre os recentes acontecimentos em que a Europa é protagonista, neste, e noutros contextos como o flagelo dos refugiados que tantas mortes tem causado na travessia do Mediterrâneo.
Para todos os que têm e podem ter férias, os meus desejos de descanso reparador.

12/08/2015
 

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