16 de dezembro de 2015

Maria de Lurdes Gouveia Barata
PALAVRAS PARA ESTE NATAL

Gostaria de escrever um conto de Natal em que entrasse a bondade, a solidariedade, a vitória do bem sobre o mal, a paz. É que chegou Dezembro e tudo se enche de luz, uma palavra que quase devia ser maiúscula pela apoteose do brilho cintilante das cores, pela doçura deste Outono sossegado, sem vento, sem chuva, sem demasiado frio. E logo vêm as palavras que a televisão atira para dentro da sala: «nos últimos trinta e quatro anos, o Novembro mais quente»; «na China, a poluição leva a recomendar que as pessoas evitem sair de casa durante três dias e, não podendo evitar a saída, devem usar máscara». De imediato surge a ideia negra duma mudança climática em que se prognosticam consequências terríficas. Porém, parece que não ligam muito os mais responsáveis…
Apetecia-me criar personagens de ternura nesse conto que era bom escrever e falta-me o apoio do exemplo à volta, fico sem vontade de escrever sobre homens de bem, porque o que se conta, o que se ouve, o que se diz é sobre os homens a discutir na Cimeira de Paris sobre o clima e uns poucos vão sempre conseguindo mandar muito, a pensar nas suas fortunas gigantescas podem tornar-se apenas muito grandes e isso prejudica-os, não chega.
Bem, desisto mesmo do conto de Natal com um final feliz, porque as palavras tomaram outro rumo, um jeito estúpido de ser (lembrou-me a canção da Maria Betânia) e apartaram-se as mais sensíveis e generosas e soltaram-se as mais negras e atacantes. Tudo se transforma em palavras, estou entre os que acreditam na força das palavras e deito-me a perder na lucubração do que exprimem e do que escondem no cinismo melífluo do engano. Aparecem desgastadas no cada vez que um homem quiser será Natal e frequentemente nunca é Natal no querer de muitos homens. Repetem-se as palavras e tornam a repetir-se e assim se desgastam pela força do hábito que as deixa de sentir e as vai despindo do seu verdadeiro significado. Tornam-se manhosas de engano. Podem avançar as da boa vontade e as do sentimento, contudo sem acção. Palavras para resolver o drama dos refugiados, só palavras, sem acção à altura do que é exigível. Palavras a pensar no problema do clima, palavras e mais palavras. Palavras a desejar uma boa governação e a fazer figas para que não seja boa a governação, porque estão lá outros. Palavras cínicas, minadas de egoísmo. Palavras e palavras e palavras. Como disse Gustave Le Bom, «quem se gasta em palavras, raramente se gasta em acções».
Não escrevi o conto de Natal. As ruas estão mais agitadas em entradas e saídas de lojas, muitas do made in China com resquícios de lembrança do made ou do feito com sangue de mãos infantis exploradas. Anoiteceu. São belas as árvores debruadas de luz na Avenida Nun’Álvares, são lindas as estrelas de luz da Capela de Nossa Senhora da Piedade. Há a luz azul do centro da cidade, num azul próximo do céu, um céu que parece prometer paz sobre a Terra que se apresenta em tanta parte a negar esse fulgor. Está linda e pacífica esta nossa cidade, mas não temos a tal paz do mundo inteiro dos homens que nos assegure a Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade, que nos assegure que é Natal.
Será que ando pessimista?!

17/12/2015
 

Outros Artigos

Em Agenda

 
29/05 a 12/10
Castanheira Retrospetiva Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco

Gala Troféu Gazeta Atletismo 2023

Castelo Branco nos Açores

Video