16 de setembro de 2015

Maria de Lurdes Gouveia Barata
A tragédia duma desumanização

«A minha vida começou há um mês, ando há um mês na estrada», eis o testemunho dum refugiado que passa na TV; «YOU CAN SAVE OUR LIVES», eis o cartaz a que se me agarram os olhos - e são corridas junto de fronteiras com alguma perseguição policial ou com polícias olhando impotentes para parte da multidão impetuosa que lhes escapa, teimando perseverança na corrida para um sonho cuja auréola fala sobretudo de segurar a vida. Por isso, andar na estrada sem fim à vista é começar a vida. Há uma criança que chora ao colo dum pai que corre, há uma criança que sorri na inocência de um chão de terra firme que se pisa e que os pais beijam depois dos dias perigosos da travessia marítima. E de repente, é mais incomodativo, o cadáver duma criança de bruços, que deu à praia e se transforma em marca de tragédia humanitária e em ferrete nas consciências.
A Europa lenta, hesitante, medrosa, deixa escapar a fala (uma fala, felizmente) desumanizada que chama praga à multidão de refugiados, que espera e teima, de olhos recortados atrás dos rolos de arame farpado onde vai rasgar a carne. É espantoso como muitos dos que podem estender a mão não se põem no lugar desses outros, não pensando que podiam ser esses outros. Porém, é demasiado visível a cobra humana que enche os caminhos que levam a um país mais seguro, é demasiado visível a tragédia dos naufrágios, é demasiado visível o sofrimento da fome, da sede, do frio, do medo que se imiscui na esperança. Alguns governantes apelam à urgência da resolução, Merkel avisa que é preciso ser mais rápido (e estamos perante uma Merkel humanizada) e pressiona os que querem estar distraídos a olhar para o lado.
É uma evidência que somos todos responsáveis e quando digo todos entra-se na abrangência do mundo. É igualmente evidência que há movimentos de acção que agem antecipadamente à decisão das instituições europeias ou mundiais, indispensáveis.
Vêm também os casos que gritam bem a desumanização de seres classificados como humanos. A jornalista húngara Petra Laszlo rasteirou crianças, refugiados que furavam o cordão policial. Fica-se estupefacto perante as imagens de PETRA – nome que a define a nível de carácter. Rasteirou também um homem com uma criança ao colo e pôs-se a filmar o homem e a criança caídos por terra… Que significado abrange esta violência? Ter imagens sensacionalistas que lhe sirvam o desempenho ou exprimir ódio pelos refugiados? Jornalista de uma estação de TV que é de extrema direita e contra os refugiados, torna-se sobretudo chocante pela acção individual de um ser humano no meio do cenário trágico doutros seres humanos. Foi justamente demitida, todavia nunca se apagarão da memória estas imagens.
Aparece também o medo que se instalou nas sociedades e ouvem-se conversas de café de pessoas que dizem (e foi caso nesta cidade…) «não queremos cá refugiados, não queremos guerra e no meio deles vêm terroristas…». É um medo que leva à desumanização, leva ao enevoamento da consciência e à visão egoísta que obnubila essa consciência e nega, em alguns, os deveres de solidariedade. Tivéssemos nós nascido noutro lugar deste planeta onde existisse um estado islâmico e seríamos nós os refugiados…
Transcrevo do poeta Alfredo Pérez Alencart (Los Exodos / Los Exilios, 2014) os versos finais do poema inicial «Ojalá que nunca te suceda»:

(…)
Todos viajamos en un mismo barco
que sube y baja com la marca.
Por el oro nunca te envanezcas
pues bien puede faltar mañana.

Sí: ojalá que nunca te suceda.

´Mas, como diz Jean-Claude Junker, a Europa tem de agir «sem poemas e sem retórica».
Então, QUE SE PASSE À ACÇÃO!

17/09/2015
 

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