17 junho 2015

Maria de Lurdes Gouveia Barata
Rir é um bom remédio...

- Onde está a graça? Parece que é parva… voltou-lhe as costas irritada, mas incomodada com a desfaçatez daquele riso. A que riu ficou consolada. Nada argumentou contra a defesa de «não havia outro caminho senão o destes sacrifícios». Apenas riu. Não valia a pena argumentar. Há pessoas que têm a cabeça feita por uma espécie de clubismo político e nada cedem, recusando-se a ouvir outras razões. Na verdade, não estão entre aqueles em que recaíram mesmo os sacrifícios de ficar sem emprego, sem futuro ou até com fome, sobrevivendo de esmolas familiares ou de instituições de assistência. Realmente, o riso feriu mais que quaisquer palavras, porque ninguém gosta de pressupor que riem de si por se ser ridículo, de se sentir metido a riso. Logo, rir foi o melhor remédio…
O riso é uma arma. Ainda hoje se lêem deliciadamente textos que a literatura nos legou com escárnios e maldizeres, já desde o tempo dos trovadores, lembrando um Gil Vicente com um rindo, castigam-se os costumes, um Nicolau Tolentino e muitos, muitos mais.
O povo português tem grande capacidade de rir para atenuar males que lhe caem em cima. É só atentarmos nas piadas e anedotas que se inventam de um dia para o outro sobre medidas governamentais e políticos, que algumas vezes nos fazem soltar uma boa gargalhada. O mal não passa, mas suaviza o estado de espírito que tende a atormentar. É escolher uma via de optimismo na tentativa de ultrapassar um mau bocado e é aí que está o gérmen da esperança. E quantas vezes não nos rimos por dentro diante de um petulante que se considera detentor de todas as verdades…
O riso é ainda uma arma na relação com os outros. Um sorriso que se abre na cara de alguém é sorriso conseguido como moeda de troca. Há uma simpatia no riso de orelha a orelha por ser riso franco, como igualmente detém simpatia uma boca de riso. Há até o riso amarelo que conhecemos nos falsos e nos ressentidos ou o riso alvar dos néscios e dos boçais.
A capacidade de fazer humor para provocar o riso está associada a um desempenho inteligente de alguém atento ao que se passa à sua volta, nada tem da frivolidade que muitos lhe atribuem. Tem por detrás a crítica de uma realidade avaliada, daí que se possa conferir que a rir se dizem as verdades. Quem não sorri pelo menos com as piadas que o povo inventa?
«Anuncia o Ministro da Educação: Os alunos portugueses, quando terminarem os seus estudos, têm três saídas: por ar, por terra e por mar.»
O muito riso pouco siso não tem sustentáculo, a não ser em alguém que tenha mesmo problemas psicológicos. Hoje a ciência prognostica mesmo grandes efeitos do acto de rir. Parece que as gargalhadas agitam os órgãos, dando-lhes uma massagem benéfica. Além disso, rir dá alento ao estado de espírito, torna-se um modo de exorcizar a tristeza e a ansiedade. Fazem-se hoje sessões de terapia pelo riso…
É evidente que rir não passa por ser o único remédio, digamos que é um bom remédio e, em alguns casos, o melhor remédio: instala a boa disposição, cria um hábito para o optimismo, porque espanta o drama duma entrega à desgraça e ao sofrimento que alimenta masoquismos. Reitero que é um bom remédio, mas ficar-se só pelo riso seria embarcar num lá vamos cantando e rindo de má memória. O riso é uma arma, mas não substitui todas as formas de luta. O riso é testemunho de acuidade de compreensão do homem que não se demite da sua dignidade e não baixa os braços diante dos obstáculos, soltando apenas uma gargalhada. Rir sim, rir por último para rir melhor num percurso de vida, acrescentando outros modos de lutar pela liberdade e pela justiça.
Delicio-me, porém, com umas boas gargalhadas…

17/06/2015
 

Outros Artigos

Em Agenda

 
29/05 a 12/10
Castanheira Retrospetiva Centro de Cultura Contemporânea de Castelo Branco

Gala Troféu Gazeta Atletismo 2023

Castelo Branco nos Açores

Video