18 de novembro de 2015

Maria de Lurdes Gouveia Barata
A crueldade humana

Já no sossego de noite dentro olho casualmente a televisão e no momento apanho qualquer coisa de desfile de moda e peles, o que parece um leve documentário do domínio de alguma futilidade humana. Depressa a imagemsaltou para a vertente dramática da indústria de curtumes. Interesse desperto, acomodei-me a ver televisão e fui-me apercebendo do horror dessa indústria de curtumes no Bangladesh. Confesso que me senti mal por julgar-me informada e estar tão pouco informada. Eram dois os lados da apresentação, o primeiro com o cinismo de fábricas amplas, bem apetrechadas, os trabalhadores labutando em cuidado ambiente de máscaras de protecçãopara os compradores ocidentais verem; o outro lado era o do horror (repito a palavra), o lado negro, escondido (que câmaras ocultas desvendavam) do olhar dos outros que não são os trabalhadores famintos, de pés mergulhados em substâncias altamente tóxicas, sem máscaras, de tronco nu, manuseando os couros em reviravoltas várias, ganhando miseravelmente para enganar a fome dos filhos, que não a deles. Desconhecem esses trabalhadores os produtos em que passam o dia inteiro mergulhados (sem dia de descanso semanal), desconhecem que há crómio, mercúrio e outras substâncias que lhes ameaçam a vida e a dos filhos e o lugar onde vivem com o rio poluído (durante cerca de meio ano verifica-se mortalidade de todos os peixes e no resto do ano os pescadores ficam sem subsistência). Há alertas do desastre ambiental, mas vinga o poder dos que estão ricos com tal negócio, porque o muito mais barato desperta o apetite de compradores, sugando porém a vida dos que trabalham. Só vendo! Como diz Edgar Morin, «o crescimento da dependência do dinheiro, da independência pelo dinheiro e do poder do dinheiro generaliza e amplifica a avidez impiedosa» (in Os Meus Demónios).
Eu vi e fiquei sorumbática, dando-me para meditar sobre a crueldade dos homens sobre os outros homens, a escravização, o tráfico humano, as humilhações; a crueldade dos homens sobre os animais que torturam e sempre me vem à lembrança aquele cão atado num saco de plástico lançado num contentor de lixo para execução de morte (mas foi salvo por alguém!), e arrastam-se outras lembranças, as dos dorsos de touros a sangrar farpeados entre a algazarra das touradas, sofrimento para gáudio e prazer dos homens; as lutas de cães e galos treinados para a morte de vencidos. Tudo se passa no século XXI! Cito de novo Edgar Morin: «A crueldade entre os homens, indivíduos, grupos, etnias, religiões, raças é aterradora. (…) O egoísmo, o desprezo, a indiferença, a desatenção agravam por todo o lado e sem tréguas a crueldade do mundo humano. E no subsolo das sociedades civilizadas torturam-se animais para o matadouro ou a experimentação. Por saturação, o excesso de crueldade alimenta a indiferença e a desatenção e de resto ninguém poderia suportar a vida se não conservasse em si um calo de indiferença». Bem proclamou Nietzsche que é preciso um homem novo com novos valores.
No entanto, é no homem que encontramos também o que há de melhor, apesar de ombrear com o que há de pior. Por isso, há que resistir e essa resistência pode exprimir-se no amor à vida, que arrasta amor ao próximo, na alegria e no abraço, na luta, por acreditar que é possível mudança onde tem de haver mudança, no apelo contra a deserção, a alienação, a indiferença. «O prosseguimento do esforço cósmico desesperado que, no humano, toma a forma de uma resistência à crueldade do mundo, é a isso que chamarei esperança», diz ainda Edgar Morin.
Os homens não vivem separados dos outros homens. Por isso, continuo a acreditar no homem, tenho de continuar a acreditar que há muitos homens de Boa Vontade…

19/11/2015
 

Outros Artigos

Em Agenda

 
07/03 a 31/05
Memórias e Vivências do SentirMuseu Municipal de Penamacor
12/04 a 24/05
Florestas entre TraçosGaleria Castra Leuca Arte Contemporânea, Castelo Branco
14/04 a 31/05
Profissões de todos os temposJunta de Freguesia de Oleiros Amieira
tituloNoticia
09/05
Afonso CarregaCentro Nacional de Cultura, Lisboa
09/05
MilhanasCentro Cultural Raiano, Idanha-a-Nova
tituloNoticia
09/05 a 11/05
10/05
Passeio de motasRua do Pombal, Idanha
10/05
Tarde de Tertúlia Casa do Arco do Bispo, Castelo Branco
tituloNoticia
11/05
XIII Passeio  Pedestre  - Rota de S. MartinhoAssociação Juvenil Ribeiro das Perdizes, Castelo Branco

Gala Troféu Gazeta Atletismo 2023

Castelo Branco nos Açores

Video