Maria de Lurdes Marata
Pesos quotidianos
INTRÓITO – Neste nosso quotidiano difícil, social e político, cai um véu meteorológico negro de frio, apesar dos beijos do sol. Já basta esse repetir-se de notícias de frio psicológico, de gripes que estão bravas, de ser caro salvar vidas da hepatite C, de mortes nas urgências, do choro dos que ficam sem nada nas guerras civis que se travam longe e que são cada vez mais perto no mundo actual, de ataques de terroristas, de crueldades hediondas do Estado Islâmico, com a meteorologia numa correnteza de cheias e destruição por esse mundo, com neve a parar o quotidiano de Boston ou doutra cidade qualquer. Ao alcance do nosso olhar aqui da Beira está a maravilhosa crosta branca da serra da Estrela, tornando-se mais estrela no espanejamento ao sol – um sol de neve, um sol gelado de vento, com a mística de um recorte no azul intenso do firmamento. Um azul frio, mesmo assim belo.
O ASSALTO – Imagine-se o viver quotidiano surpreendido pelo acontecimento perturbador de um assalto à nossa casa e à casa do vizinho e a outras casas. De manhã, na manhã fria de sol, a nuvem de uma devassa a aumentar peso ao quotidiano – um peso sem definição de medida. Não me vou perder em pormenores que também têm peso. Anoto o papel da polícia logo em acção, despertando-nos um bom sentimento pelo apoio. Dói mais a perda afectiva de certos objectos do que a perda material de alguns valores. Quem foi? Um rapazola de 17 anos. Sentimos o contentamento de ter sido apanhado e ter confessado (mesmo que não recuperemos o roubo) e as lucubrações de que agora esteja sossegado algum tempo com a punição adequada. Mas o juiz fez voltar tudo à mesma iminência de perigo. O rapaz, menor, não poderia ser preso. É transportado duma Instituição de Recuperação todos os dias para uma Escola secundária para frequentar aulas. Assistir a aulas é meio de inclusão, também acredito na força da aprendizagem e da educação. No entanto, é sobre este aspecto que vou tecer considerações. O jovem falta sistematicamente às aulas, a escola decerto avisará. Um passeio de carro até à cidade, destino escola, opção faltar… provavelmente para estudar planos de assalto. Para INCLUIR tem de haver estratégia. Constata-se que não existe, porque a inclusão não se dá. O rapaz exclui-se calmamente e segue a mesma vidinha que lhe concedeu a punição. Eu pensava que estes casos eram retidos dentro do Instituição de Recuperação, onde seriam leccionadas aulas ou se aprenderiam profissões. Soube também que essa Instituição já não está sob a alçada do Ministério da Justiça (os professores iam lá dar aulas), mas sim sob a alçada da Segurança Social. A inclusão faz-se mais perfeitamente inserindo-o na comunidade escolar? Talvez. Mas onde está a estratégia de apoio e de controle? Ele não participa dessa comunidade escolar e não se tomam as medidas necessárias. Dá trabalho? O jovem entra na comunidade citadina, mas em exclusão, para furtar o alheio. Aparecem-nos logo os maus pensamentos da desconfiança dos tempos: deve ficar mais barato atirá-lo para uma comunidade escolar, fingindo que se está a incluí-lo socialmente. Uma medida de faz de conta, apenas rodando em comentários ciciados…
O MINISTRO DA EDUCAÇÃO – No peso quotidiano que nos provoca o Ministério da Educação, esse quotidiano foi abalado pela alegria, a Grande Alegria, do Ministro Nuno Crato: finalmente, apanhei-os! Professores com 20 erros ortográficos numa frase! (eu gostava de ver a frase) e o Ministro apresentou-se triunfante, porque isto era a própria ratificação da necessidade da prova (estúpida) infligida aos professores! O Ministro acredita mesmo no que diz ou julga que somos lorpas? O Ministro Nuno Crato garante que os professores dispensados da prova não dariam erros ortográficos? O Ministro desconhece que o ser professor não passa apenas pelo domínio da língua (embora se saiba que esse domínio é fundamental)? O Ministro não sabe que o problema reside nos currículos dos cursos e, em certos casos, em algum facilitismo? Eu já apanhei professores universitários a dar erros (é capaz de julgar que os dos Politécnicos, que odeia, é que fazem isso – e admito que também aconteça). Sugestão: vamos todos fazer uma prova de língua portuguesa… e aí até resolverá despedimentos colectivos…
O SYRIZA – Na interdependência dos povos e na fatalidade de uma União Europeia perdida em austeridades destruidoras, sem acordo fraterno de defender quem está no mesmo barco, levantou-se a voz do Syriza a agitar o conforto instalado dos poderosos, que acreditam, perdidos no tempo, que ainda há suseranos e servos da gleba. E no quotidiano de dureza, o Syriza transformou-se na luz de esperança de outra alternativa e o povo grego heroicizou-se pela coragem e pela ousadia. Conspira-se nos bastidores obscuros do capital que tem de apagar a chama que se alteia – ou eles ou nós que temos de ter razão – e fremem os corações dos que sabem que a chama ateada pode ser o retorno da esperança e da capacidade de sonhar. Que esperam as nações como Portugal para se solidarizar?