25 fevereiro 2015

Fernando Raposo
… Então que se lixe a Europa

A história é conhecida, resume-se em poucas palavras e nunca é de mais relembrá-la.
Naqueles tempos, as relações de vizinhança entre os países europeus eram de “cortar à faca”. A malta não se entendia e andava sempre à paulada. Nos princípios da década de 30, a Alemanha passava por uma grave crise económica, com milhões de desempregados, muita gente desesperada e na miséria. Os tempos eram propícios ao surgimento dos regimes totalitários, com objectivos vincadamente militaristas e expansionistas. A industrialização, em particular com a criação de indústrias de equipamento bélico e armamento, constituiu uma das saídas para contrariar o desemprego naquele país. Hitler, ressabiado com a derrota da Alemanha na primeira guerra mundial e com a perda de uma grande parte do seu território, invade a Polónia. Corria o ano de 1939. A Inglaterra e a França declaram guerra à Alemanha, associando-se àqueles os Estados Unidos e a URSS.
A Hitler junta-se Mussolini, que liderava sem limites a Itália, e também Hirohito, imperador do Japão, que ambicionava expandir-se para os territórios vizinhos.  
O desfecho da segunda guerra é sobejamente conhecido. Os soldados ingleses desembarcam na Normandia, a norte da França, encurralando os Alemães, enquanto do lado oriental são cercados pelas  tropas da URSS, que tomaram a cidade Berlim. Hitler suicida-se e a Alemanha e a Itália capitulam perante a força dos aliados. O Japão, que ainda resiste à assinatura do tratado de rendição, assiste impotente à destruição das cidades de Hiroshima e Nagazaki por parte dos Estados Unidos.
Não fosse o sentimento de vingança, a ambição desmedida da Alemanha e a loucura de Hitler e muitas vidas teriam sido poupadas. Os prejuízos foram imensos, com cidades arrasadas e muitos empregos destruídos.
A Alemanha foi repartida pelos aliados, ficando a parte leste para a URSS e a parte ocidental sob o domínio da Inglaterra, França e Estados Unidos. A Alemanha foi assim dividida em dois blocos que seguiram caminhos diferentes e que aqui me poupo de os descrever.
Foi neste contexto e com o objectivo de pôr termo às escaramuças entre os países de uma Europa desavinda que os lideres dos países fundadores, movidos por um forte desejo de uma Europa em paz, unida, próspera e solidária, criaram a União Europeia que hoje conhecemos e cujos os alicerces começam agora a ruir, em consequência das medidas duras impostas aos cidadãos dos países resgatados. A recente vitória do Syriza  e a derrota dos partidos que governaram a Grécia até então, são a expressão limite do descontentamento e desconfiança do povo grego relativamente à Europa.
Da União Europeia, e em particular da Alemanha, esperava-se uma atitude mais sensata e compreensiva relativamente à Grécia. A intransigência de uma Alemanha, cada vez mais deslumbrada com o seu poder e obcecada apenas pelo equilíbrio orçamental dos países do euro, reflectida no discurso arrogante e sobranceiro do seu ministro das Finanças, o senhor Schauble, em que se permite humilhar o povo grego, sob o olhar inquisitório e hipócrita dos restantes parceiros, pode deitar tudo a perder e fazer-nos recuar aos tempos em que a Europa desperdiçava as suas energias em guerras sangrentas.
Nunca será de mais relembrar que a reconstrução e unificação da Alemanha mereceram sempre a solidariedade dos povos da Europa e também do povo grego.
Com a introdução do euro, a Alemanha é hoje o país que, nas palavras de Miguel Sousa Tavares, “mais ganhou com o fim da Guerra Fria, o motor europeu, o exemplo máximo da competitividade, ….” (Expresso, 21-02).
No momento em que ultimo este texto, ainda não se conhecem as propostas da Grécia que satisfaçam as exigências do Eurogrupo quanto à extensão do financiamento previamente acordado. Pelo futuro da União espera-se ponderação, sensatez e inteligência de todos as partes. É verdade que a Grécia, e também Portugal, passa agora por uma grave crise económica e financeira, cujas causas são múltiplas e complexas e em que a sua resolução dependerá em grande parte pela decisão concertada de todos parceiros do euro, mas não é menos verdade que a paz na Europa dependerá muito do papel geopolítico da Grécia no contexto regional e global da União. Perante a cegueira dos líderes Europeus, talvez seja tempo de os Estados Unidos e a NATO resfriarem o ímpeto arrogante do senhor Schauble, como se fosse dono do mundo, lembrando-o de que do lado de lá da Grécia, na “periferia da Europa”, os países (Líbia, Síria e Ucrânia)  estão a “ferro e fogo”.
Para Thanos Dokos, investigador grego e especialista em defesa e segurança, citado por Jorge N. Rodrigues (Expresso, 21-2) “… é justificado perguntar se a Europa, os EUA e a NATO se podem dar ao luxo de um buraco negro nessa região crítica do Mediterrâneo Oriental, permitindo que a Grécia se torne um factor de instabilidade”.
Ainda estamos a tempo de evitar o pior, corrigindo e suavizando a trajectória de austeridade que está a destruir a Europa, pelo que a pressão do equilíbrio orçamental sobre os países agora em dificuldades não pode sobrepor-se e pôr em causa a manutenção da paz em toda a Europa. Se assim não for, então que se lixe a Europa.

25/02/2015
 

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