26 de agosto de 2015

CARLOS SEMEDO
ECOS DE 2014

Quando encarei a folha branca para abordar o habitual texto em período de férias, recordei um exercício que fiz no ano passado, ao escrever uma pequena nota diária, comentando alguma ocorrência, as notícias diárias ou qualquer tema que me agitasse a alma. Ao olhar para estes curtos textos, reparei que se mantêm actuais. Fiz uma selecção de apenas quatro abordando tópicos diversos:
1 A ressonância da palavra férias tem intensidades variáveis. Para quem passa o ano a pensar nelas, é como o som agressivo e impiedoso do motor de um avião a levantar voo. Não se consegue ouvir mais nada. Para quem não as pode ter, é como uma daquelas ilusões de óptica, no horizonte marítimo que sugere a emergência de um maremoto. Silêncio. Depois, há quem goze todos os dias um pouco de férias. Para essas pessoas, a vida é polifónica e plena de matizes. Quando chegam as formalmente instituídas, trata-se apenas de uma alteração de densidade. Ao longo da vida, cultivei uma aproximação a esta última. E agora, estando de férias, acho que fiz muito bem. 
2 Hoje estive com um homem que vive o presente com uma intensidade ancorada na impossibilidade de olhar para o passado sem ressentimento e dor. O que devia ter acontecido e diminuído o impacto da doença na sua filha, só agora se desenha com claridade. A ciência, por vezes, só ilumina tarde demais. Todas as desculpas são fugas ao peso da realidade. E aquilo que parece ser uma necessidade de vingança é muito mais sede de justiça perante a vida, a única que – ele sabe-o muito bem – está à nossa disposição.
Claro que toda a progressão, todo o sinal de uma evolução é alento. É alento demasiado lento para a sôfrega necessidade de compreensão. Não se trata do porquê a mim, mas do porquê a ela, a minha filha. No entanto, ela diz: ele é o meu melhor amigo. Como dirá da mãe. E eu sinto a dor, o alento, o amor e a esperança.
3 No final do dia de ontem, estive com o escritor Valter Hugo Mãe. Foi uma conversa que cursou Sigur Rós, o facto de ele ter conhecido os membros da banda, na sua estada na Islândia, quando preparava Desumanização, a sua visita a Castelo Branco para uma conversa e para o visionamento de INNI e as memórias da viagem de Vila do Conde até ao Cine-Teatro Avenida, pela mão cuidadosa da Anabela Nunes e da Sílvia Moreira. Conversas malucas, chamou-lhes ele.
Fez questão de me lembrar que numa das suas últimas crónicas, escreveu sobre as colchas de Castelo Branco e prometeu que iria voltar para comprar queijo.
4 Creonte deu um dia a Medeia e já se sabe o que aconteceu a seguir. Nós, portugueses, andamos nesta andança sem saber o que esperar do dia seguinte, há uns anos. A possibilidade de sonhar está a aguardar melhores dias, os cortes provisórios de ontem são ampliados hoje, a educação, a saúde e a cultura vão sendo tratadas com a docilidade de uma folha de cálculo e o escapismo vence sob a forma de festival.
Medeia usou e muito bem o seu dom de oratória e convenceu Creonte. A esmagadora maioria dos portugueses não acredita em nada do que é dito e eu acho que muito bem. É impossível acreditar nesta gente que nos governa.

26/08/2015
 

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