30 de dezembro de 2015

Carlos Semedo
O ANO NA TELA

A minha proposta para esta crónica é rever 2015 através dos filmes que me tocaram de forma especial. Em Janeiro vi Boyhood, de Richard Linklater. Se o facto de estarmos a lidar com actores/actrizes e personagens durante um período tão alargado de tempo, é merecedor da nossa curiosidade e atenção, a forma como Linklater o faz, transporta-nos para o plano da sensibilidade e empatia relativamente ao Homem. Recordo com especial intensidade, a primeira vez na qual um dos protagonistas abre, com as mãos, o formato do ecrã.
Passado pouco mais de um mês, vi o A Noite Cairá, de André Singer, uma leitura da construção do documentário que os Aliados tencionavam produzir para mostrar o que se passou nos campos de extermínio nazis. Um documentário no qual Alfred Hitchcock esteve envolvido, mas que nunca conheceu a sua versão final, de acordo com o guião inicialmente traçado. Um dos aspectos mais perturbadores, para além do óbvio pavor provocado pelas imagens à chegada aos campos, foi o reconhecimento de que rapidamente os interesses particulares de cada um dos Aliados e a dificuldade em lidar com a inércia relativamente ao que se passou com os judeus no período da guerra tomaram conta do que poderia ser um extraordinário documento síntese da ignomínia.
Em Abril, pude ver Alemanha Ano Zero, Stromboli e Roma Cidade Aberta, de Roberto Rosselini, em cópias digitais restauradas. Se o primeiro e o terceiro são filmes que espelham bem a relação tensa do realizador relativamente ao posicionamento da Itália na II Guerra Mundial, Stronboli, Terra de Deus, é um extraordinário filme onde se cruzam, de forma magnífica, a caracterização psicológica das personagens com o território, o sítio particular, aquela ilha, que não deixa ninguém igual, a partir do momento que se vislumbra.
Em Cabelo Rebelde, Mariana Rondón consegue esse milagre que é transportar-nos para uma realidade muito distinta da nossa e fazer com que as personagens estejam sempre ao nosso lado. Imagem poderosa, a da brincadeira das duas crianças, inventando um jogo com os pormenores de cada uma das varandas do prédio da frente.
Phoenix foi um dos grandes filmes que vi este ano. A cena antológica no final, quando a protagonista canta Speak Low, é o corolário da capacidade de Christian Petzold (para mim, um dos grandes cineastas da actualidade), nos fazer mergulhar no drama particular de uma mulher que “renasce” da não existência que pressupunha um campo de concentração, tentando desesperadamente que o seu antigo companheiro a reconheça. Acaba por acontecer através dessa linguagem do sensível que é a música, as suas respirações e articulações.
Já no Verão, vi Taxi, de Jafar Panahi. Embora tenha gostado, ficou um pouco aquém das expectativas. O que me atraiu foi sobretudo o jogo ilusório do que está previamente preparado e que surge como se fosse realmente o quotidiano de Teerão.
Uma semana depois vi Cães Errantes, de Tsai Ming-Liang, este sim um filme pleno e completo. Senti-me transportado para Taipei, através de um drama familiar, no qual para além do retrato de uma sociedade que vive a uma velocidade vertiginosa, somos convidados a partilhar as coisas simples e difíceis do dia-a-dia de quem luta por um presente melhor, mas sempre em confronto com as mazelas do passado. Para além de uma fotografia irrepreensível, interpretações soberbas, neste Cães Errantes.
O filme que afinal são três As Mil e Uma Noites, de Miguel Gomes, marcou o Outono. Uma boa estação para ver este conjunto notável de episódios que nos ajuda a ler um pouco o nosso país destes últimos 7, 8 anos. Antológicas as cenas do tribunal, a passagem de ano com uma das filmagens do primeiro banho mais incríveis que já vi e o episódio dos Passarinheiros.
Sono de Inverno, de Nuri Bilje Ceylan, é música de câmara exigente, madura. Contudo é tão pleno de humanidade e de tensão entre a superfície e profundidade, que as mais de três horas passam como se estivéssemos a conversar após um bom jantar. As interpretações são de primeira linha e a fotografia, uma das marcas do autor, perfeita, mas o que mais me tocou é aquela sensação incrível de a história se passar a tantos milhares de quilómetros, num país fronteira, e me tocar tão profundamente. Poderia ser um casal, irmã, amigos a viver ali numa quinta, no vale do Ponsul. As questões levantadas são quase as mesmas.
Por último, Nanni Moretti, com Minha Mãe. Carregado de sentido autobiográfico, de luto pela sua própria mãe, é uma espécie de súmula sobre o poder do cinema, para esbater a fronteira entre a realidade e ficção, tudo a partir de uma história de crise. Na verdade, as crises são um dos campos mais férteis para a nossa vida e esta vai servir para a personagem principal, a realizadora, ser confrontada com o seu passado, o relacionamento com a família e com os mais próximos colaboradores.
Se não viram estes filmes, ganhem coragem. Eles transformam-nos.

30/12/2015
 

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