1 de junho de 2016

Valter Lemos
AS ECONOMIAS NEM-NEM

Recentemente entrou no léxico comum a expressão “geração nem-nem” para referir o largo conjunto de jovens que em diversos países, com especial relevo para a Europa, nem estudam porque já deixaram a escola e nem trabalham porque não obtêm lugar no mercado de trabalho.
Mas, a expressão parece poder aplicar-se também com sentido, às economias de diversos países como Portugal. Hoje, no mundo, parece haver três tipos essenciais de economias. As que se baseiam na exploração dos recursos naturais como o petróleo, as que se baseiam na industrialização com atividades de mão-de-obra intensiva e barata e as que se baseiam na industrialização moderna assente na tecnologia. No primeiro caso temos vários dos países árabes, mas também países africanos, asiáticos e sul-americanos. No segundo caso temos as grandes economias orientais como a China, a Índia e a Indonésia e outros nessa região, também na América do Sul e noutras zonas do globo.
Mas, existem outros países cujas economias não parecem enquadrar-se em qualquer daqueles tipos. Nem assentam na exploração dos recursos naturais, nem na indústria de mão-de-obra intensiva, nem nas indústrias tecnológicas. Enquadram-se nesta situação diversos países europeus, designadamente da Europa do sul como Portugal, ou, também, da Europa de leste.
São, pois, economias nem-nem.
Para além da situação muito polivalente e multifacetada do Reino Unido (o que faz dele um caso especial na Europa que muitos não parecem compreender, mas que está na base da diferença da sua situação e também da sua atitude face à Europa), a maioria dos países da Europa central e do norte têm economias assentes em indústrias tecnológicas e respetivos serviços associados. Indústria automóvel e aeronáutica, maquinaria, eletrónica, telecomunicações, transformação alimentar e outras que requerem grande incorporação e desenvolvimento tecnológico e associam grande intensidade de serviços científicos, de design, informáticos, etc., para além dos financeiros. Estão nesta situação países como a Alemanha, a França, a Holanda, a Bélgica, os países escandinavos e alguns outros.
No entanto a situação no sul e leste da Europa não se apresenta da mesma forma. A situação é muito diversa, mas, estas economias não se apresentam claramente assentes nas indústrias tecnológicas, mas, também não assentam já em indústrias de mão-de-obra intensiva ou ainda menos na exploração de recursos naturais que são, aliás, cada vez mais raros e fortemente condicionados.
O caso português é paradigmático. Quanto a recursos naturais estamos falados. Aliás essa carência é talvez uma das explicações, no foro económico, para a exploração e a expansão quinhentista. Desse ciclo de globalização veio a marca mercantilista para a economia portuguesa. Tornámo-nos verdadeiramente um país de comerciantes com uma economia quase totalmente dependente desse comércio. A revolução industrial e a primeira grande vaga de industrialização europeia passaram, pois, sem delas o país ter dado conta.
A segunda vaga de industrialização europeia de onde se originaram as atuais economias tecnológicas encontrou-nos nessa apagada e vil tristeza do salazarismo. Nem indústrias e já nem comércio e ainda menos serviços, pois que estes estão associados ao desenvolvimento educacional, cientifico e tecnológico. Ainda hoje é difícil perceber qual o modelo económico de Salazar. Que tipo de economia se pretendia criar afinal? O país pagou duramente tal ausência de visão sobre o seu futuro.
Nos últimos cinquenta anos Portugal fez um claro esforço para se aproximar do modelo de desenvolvimento económico da Europa próxima. Mas, chegados ao século XXI ainda não o conseguimos e cá estamos numa situação nem-nem. E as dificuldades geradas por tal situação são hoje mais percetíveis porque o projeto de solidariedade europeia se desfez ou, pelo menos, congelou. Anteriormente nós acreditávamos que a situação era transitória, porque, com o projeto europeu e a solidariedade do mesmo estávamos a caminho da situação dos países do centro e do norte, mas a onda política de direita neoliberal e nacionalista que varreu a Europa neste início de século arrefeceu esse projeto e a crise financeira ocorrida interrompeu o caminho, reconduzindo os portugueses e diversos outros povos europeus a expetativas bem menos entusiasmantes sobre o modelo e o desenvolvimento do país.
E assim ficámos nem-nem e com fortes dúvidas sobre se tal situação é transitória num percurso de industrialização e modernização tecnológica e económica ou se é afinal para perdurar, porque nunca atingiremos esse modelo?
A Europa deixou realmente de ajudar como o fazia antes porque a maioria dos governos têm hoje uma visão mais egoísta e nacionalista e muito menos solidária do que no final do século passado e o projeto europeu está, pelo menos até ver, congelado. Mas, a diabolização feita pelo último governo das visões de aposta no desenvolvimento tecnológico do governo anterior, associando-as estupidamente ás causas da crise económica por meras razões de tática política, foram também muito prejudiciais, quer do ponto de vista psicossocial quer mesmo do ponto de vista material ao extinguir ou congelar projetos e iniciativas em curso.
O atual governo dá sinais de querer recuperar essa visão sobre o desenvolvimento do país, ainda que timidamente porque as condições políticas são mais apropriadas ao conservadorismo sobre a situação do que a uma atitude reformista e também, talvez porque tenha receio que a diabolização de Sócrates e dessas perspetivas políticas, feita pelo anterior governo e pela comunicação social da situação, continue a produzir efeitos na cabeça dos portugueses associando tais ideias à crise.
Como historicamente quase sempre as renovações no país foram induzidas externamente, esperemos que esta fase conservadora e nacionalista na Europa possa ter fim com a emergência de outras forças políticas e outros governos e o regresso do projeto europeu possa ocorrer.

01/06/2016
 

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