Carlos Semedo
INTERROGAR O TERRITÓRIO
Peter Michael Dietz descobre um aglomerado de cubos de granito, os chamados paralelos, ali bem perto de uma zona onde teve lugar uma recente inauguração. No seu trabalho de inscrição na paisagem e apropriação do quotidiano dos Escalos de Baixo, coloca-se em postura Sidhâsana, com um pau de madeira equilibrado na cabeça e fica imóvel durante uns bons minutos. Por perto está Play Bleu, fotógrafo, que regista o momento.
Duarte Belo, arquitecto de formação, fotógrafo do território por vocação, anda ali bem perto da Lisga. Uma senhora descobre-o e inquieta-se. No dia seguinte, volta a vê-lo e passa a palavra sobre um estranho com atitudes suspeitas. Alguém sabia que um fotógrafo andaria por ali, no mês de Outubro e ameniza a intranquilidade. Esta estória foi contada uns momentos antes da sessão que Duarte Belo realizou na aldeia da freguesia de Sarzedas. Durante a mesma, todos puderam ver o resultado da residência do fotógrafo e tivemos espanto, sorrisos, interpelações, correcções e estórias a partir das imagens.
Carlos Zíngaro e Maria Belo Costa, ajudados pela Sílvia Ferreira e Raquel Fradique, estiveram quase quinze dias nas Tojeiras, mesmo ao lado de Santo André. O silêncio enganador, os poucos habitantes que se vão acostumando à sua presença, as partilhas (uns bolinhos, jeropiga…), a paisagem deslumbrante, os almoços no Centro de Dia, a D. Maria, o Sr José e a construção diária de um diálogo transgressor que resultará num espectáculo, em dia de nuvens que ameaçam dilúvio. Nesse dia, as gentes aparecem (de onde veio tanta gente, pergunta o Carlos Zíngaro) e o que se passou a seguir foi a surpresa. Público curioso, atento e disponível para uma linguagem que, apesar do inédito, aparentemente lhes tocou a alma.
Pedro Rebelo estava pontualmente às 10 horas da manhã de segunda-feira, no edifício dos antigos CTT. Esperava Manolo, Gonçalo e todos os membros da comunidade cigana, que iriam conversar um pouco sobre a construção de um projecto comum, durante cinco dias. No final da semana, tinham visitado casas, um acampamento, realizado diversas entrevistas, jantado, cantado e rido juntos e construído uma cabana, ao estilo cigano. Pedro Rebelo pensou uma instalação com três momentos, o cesto de verga, a música, com um cajon e a cabana, que escondia três auscultadores através dos quais se puderam ouvir as vozes da comunidade.
Luís Marques, Rui Dias, César Coelho e outros andaram durante quase um mês a gravar sons um pouco por todo o concelho de Castelo Branco. Na semana passada, no Lar e Centro de Dia de Malpica do Tejo, foi inaugurada a instalação que permite, com movimentos do corpo, ouvir sons de todas as freguesias com imagens que auxiliam a percepção do público.
Miguel Elías dedicou El Único Jardin a António Salvado, pintando poesia um pouco por todo o salão nobre do Museu Francisco Tavares Proença Júnior. Durante uma semana desenhou e pintou Castelo Branco e realizou Oficinas para crianças, jovens, adultos e estudantes num labor que deixou marcas profundas nos que nelas participaram.
João Fiadeiro e a sua equipa estiveram 10 dias em Castelo Branco. Nesse período, fizeram Oficinas com cerca de 40 pessoas, prepararam a estreia da versão expandida de O Que Fazer Daqui Para Trás (OQFDPT), apresentada num final de tarde que, mais uma vez, ameaçava dilúvio, fez uma conferência na Escola Superior de Artes Aplicadas e apresentou o OQFDPT na versão palco como corolário da sua presença.
Bordalo II, quando escrevo estas linhas, está a trabalhar num mural, a partir de materiais recicláveis, em Alcains, preparando um magnífico grifo, espécie em risco e deixando a marca da sua genialidade na vila.
Estes são alguns dos projectos que durante o mês de Outubro se realizaram no concelho de Castelo Branco, interrogando-o a partir da Arte. Quando fazemos uma pergunta, ou quando colocamos em causa certezas absolutas, entramos em terreno fértil. Foi e é o que estamos a viver.