Maria de Lurdes Gouveia Barata
O TPC PARA OS PAIS...
No jornal Público de 27 de Março, dia de Páscoa e em férias de Páscoa de alunos e professores, uma chamada de primeira página em letras garrafais: QUANDO OS TPC SE TRANSFORMAM NUM PESADELO E ESTRAGAM AS FÉRIAS DA PÁSCOA. Três páginas de «Destaque», além do Editorial, contemplam o assunto, que põe em relevo vários casos, sobretudo de alunos que frequentam o 1º ciclo, com testemunho de pais pela repercussão que o TPC implica na vida familiar. Palavras como pesadelo, insuportáveis, inadequadas expressam a dimensão dos trabalhos da escola que se tornam contraproducentes. Se há 20 fichas para crianças de 6 anos resolverem nas férias são as fichas da dor de cabeça dos pais. Todavia, não é só nas férias que decorre este processo frequentemente repetido em TPC fim de semana ou no dia a dia escolar.
Como professora, como mãe e encarregada de educação, como familiar ou amiga de pais e encarregados de educação, acrescento alguns exemplos ilustrativos da inadequação e da injustiça de certos TPC. Lembro, no início da minha carreira (fins da década de 70 e princípios da 80 – ih, tanto tempo!), trabalhando com alunos de 2º e 3º ciclos, um caso que nunca esqueci. Era directora de turma, estava numa reunião de pais e, a certa altura, um casal levantou um problema. Ambos, pai e mãe, estavam um pouco ansiosos, hesitantes, a mãe corroborando com acenos de cabeça a intervenção do pai: «o nosso filho, na disciplina tal, tem muitos trabalhos de casa. Tenta sempre resolvê-los e vem ter connosco. Nós não sabemos ensiná-lo, não percebemos e ele chora muito, porque a professora vai marcar-lhe falta na caderneta. Mas nós não podemos ajudá-lo e ficamos muito aflitos». Prometi falar com a professora, mas fiquei incomodada. Ali estava um aluno que tentava cumprir e não conseguia. Que tipo de TPC era aquele que um aluno que frequentava as aulas não era capaz de resolver?!
Contra muitas opiniões, sou por um TPC curto, de treino do que se tenha passado na aula, apenas quando o caso o exigir, sobretudo para alunos mais novos, não abrangendo apenas o 1º ciclo. Um TPC que o professor, depois do controle que tem obrigação de fazer na aula, saiba que será um treino autónomo que põe os alunos em igualdade de circunstâncias. É que há alunos cujos pais podem ajudar ou pagar a explicadores. Há outros que não têm nada disto, instituindo-se a injustiça.
Lembro também uma vez em que a minha filha, no 8º ano, trazia um trabalho tipo «fazem da página tal o exercício tal, da página tal as perguntas tal e tal» e assim sucessivamente. Eram só 12 páginas de trabalhos, havendo testes de outras disciplinas para preparar e rever matérias. Oralmente, discuti o trabalho em diálogo, escrevi depois as respostas e ela copiou para o caderno, esclarecendo-a de que nunca se devia fazer assim… (como professora tinha de justificar…).
Escandaloso é quando um professor passa uma imensidade de trabalhos para férias de Páscoa ou Natal e depois… chega o regresso às aulas e não verifica quem fez ou não fez e não corrige. É a falta de brio profissional e a falta de respeito pelos alunos. Evidentemente, conhecido o tipo de professor, a maioria dos alunos já nem faz nada. É o Trabalho Para Cábulas…
Irritante é quando o professor pouco explica e pouco se interessa pela aprendizagem dos alunos, esperando que lhes expliquem em casa. Falta de brio, repito. Não resisto a transcrever o depoimento de uma mãe no jornal Público referido: «As crianças passam muitas horas na escola, em aulas. Deveria ser o suficiente para garantir a sua aprendizagem. Pode e deve esperar-se o apoio dos pais, mas nunca, como me parece acontecer frequentemente, esperar que estes assumam também o papel de professores em casa». E os pais que não conseguem ter esse papel de professores? Como diz um estudo da OCDE, as famílias não são todas iguais e o TPC é um meio de perpetuar desigualdades.
Passa tudo pelo ser professor. Muitos esquecem decerto a formação que tiveram ou as actualizações devidas. E fica muito por dizer acerca do TPC. Mas entretanto ponho-me a observar aquele casal (regressado do cansaço dum dia de trabalho) num virote a fazer recortes de peixinhos, muitos peixinhos de várias cores, para ajudar o miúdo de 2º ano de escolaridade (depois das fichas resolvidas e depois de ajudar o mais velho e depois de tratar do bebé) para ilustrar um trabalho… que fica como ilustração de um dia de TPC para os pais…