27 de julho de 2016

Carlos Semedo
PEREGRINAÇÕES

Nas minhas frequentes peregrinações pelo território que considero cada vez mais o meu, os sentidos prendem-se nas suavemente abruptas mudanças operadas pela natureza e retenho a presença humana, nas suas mais frequentes facetas: tratar a terra, cuidar dos animais e a lassidão própria de idades mais avançadas. O silêncio é feito de uma malha intricada de sons que nos despertam para a contemplação.
Recentemente, andava eu à procura da ponte do Poço do Sino, perto de Vale Ferradas, quando encontrei um senhor com quase oitenta anos que, em longa conversa, me contou histórias de outros tempos. Foi assim que soube da sua participação na construção da ponte que eu procurava, da sua passagem profissional por Castelo Branco e do seu regresso à aldeia. Casa a casa, foi discorrendo sobre as ausências, os desaparecimentos que não dão lugar a chaminés a fumegar. Contudo, o sorriso não o abandonou e disse-me que acha que hoje se vive muito melhor. Sabe, acrescentou, fazemos muitas vezes confusão entre as saudades da nossa juventude e os tempos muito duros que vivemos. Eu, que já intuía esta tensão, perguntei-lhe do que tem realmente nostalgia. Respondeu-me sem hesitação: tenho saudade de ver os campos tratados. Hoje, a maior parte está abandonado.
Como este homem, haverá outros, muitos outros, que partilham a mesma opinião. No isolamento, surge por vezes o medo. Aconteceu-me há uns dois anos, andava pelos montes e serras já no concelho de Oleiros, quando fui atraído por uma pequena povoação. Ao chegar, verifiquei que se tratava de apenas três casas no final de uma estrada alcatroada. Quando saí do automóvel, com a máquina fotográfica, reparei num casal já idoso, por trás do portão de uma das casas. Como habitualmente faço, anunciei-me, mas a senhora perguntou-me de forma algo agreste sobre o que fazia por ali. Ao mesmo tempo, o senhor subiu as escadas da casa e entrou. Lá expliquei à senhora que vinha de Castelo Branco, que gosto muito do campo e de conhecer as terras mais escondidas. Sabe, disse-me ela, temos de ter muito cuidado. Nesse momento reparei no homem que tinha entreaberto a porta, mostrando-me, de forma cautelar, parte de uma caçadeira. Percebi que seria difícil superar a desconfiança. Ainda articulei uma história passada na semana anterior, na qual fiz referência a uma senhora que estava parada no cruzamento próximo e com a qual tinha falado, mas não, não consegui estabelecer a confiança mínima e lá me fui embora. Uma arma é uma arma.
Esta semana fiz um pequeno périplo pelas praias fluviais da Fróia, Alvito da Beira e Sesmo. O que vivi foi a transformação radical da paisagem sonora, com crianças e jovens a brincar, saltar, nadar, sobretudo nas duas primeiras praias. Foi uma delícia perceber como aqueles espaços normalmente silenciosos e com parca presença humana se transformam nesta altura do Verão. E vi-me a olhar as mesmas serras e vales, como se a esperança fosse possível. É provisório, bem sei, mas são centelhas – estava um calor inclemente- de vida que permitem a experiência do mesmo território com uma intensidade só imaginável na altura das festas da aldeia.

27/07/2016
 

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