Antonieta Garcia
PRENDAS…
Quando é que se aprende a recusar prendas que os netos pedem? Quem compra o que não deve, fica cheiinha de remorsos. Recrimina-se, resmunga consigo mesma, e acaba a culpar a época que se vive e o consumismo excessivo… ou seja, tenta sacudir do capote a responsabilidade de aquisições descabeçadas…
Não fosse o Natal com prendinhas-a-quem-se-portar-bem e a serenidade de dezembro seria outra… Certo é que, antes que certos objetos eletrónicos esgotem, dentro da gama que os ganapos entre os sete e os trintas escolhem… mal chega o momento de luzinhas pisca-pisca e lacinhos… compramos, compramos, compramos…
Sabemos que estamos a infernizar as refeições, a ocupar o tempo dos miúdos com jogos sem jeito, a maioria violentos. Só muda o nome e as personagens do jogo... Habitualmente, os moços assumem o protagonismo, escolhendo desempenhar o papel daquele que mais vence e mais mata. As consequências do abuso… preenchem queixas e lamentações de pais e professores… Perturba ver vários jovens juntos, que não falam, não se olham, não discutem… Jogam, mandam mensagens, não se desligam de uma comunicação que os atordoa e que não há. Comem, dormem, passeiam com “smartphones” sempre à mão de semear!!!
Pois! Este é o contexto em que vivem, e se contestamos os pedidos de prendas nestas áreas, argumentam: “Na escola todos têm, só eu…”
Com palavras esperneiam, rabujam, rezingam ou amarram a burra com uma duração e determinação inacreditáveis… Até já entenderam que é condição sine qua non, possuir objetos eletrónicos caros para fazer figura.
O mercado, essa figura incontornável mas intolerável, está atento, aplica um cheirinho de pedagogia neste ou naquele jogo, edita livros que vende menos, mas convence pais e avós a entrar na oferta de… tudo quanto é vida encerrada num pequeno ecrã.
Tenho tanta pena que não apreciem um livro verdadeiro para sublinhar, voltar atrás… Que aflição não se divertirem uns com os outros, brincarem…
Só defeitos? É óbvio que nada é completamente negativo. Mais: sei que estas maquinetas podem tornar-se aliadas dos pais. Funcionam como amas, entretêm no consultório médico, nas viagens demoradas… Com um ecrã nas mãos, não há menino. O problema é o número de horas que ocupam os objetos eletrónicos. Se utilizados com moderação, seriam uma bênção? E que critérios usar para definir moderação?
Desviar a gente nova da tecnologia não seria uma atitude correta. O ideal era mantê-la interessada em atividades variadas com e sem objetos eletrónicos. Nenhuma tecnologia poderá substituir uma infância/adolescência de felicidade real. Nenhum programa educativo num ecrã substitui a voz afetiva, a educação de pais, avós e amigos.
As memórias mais bonitas da infância são as que rondam as emoções, as alegrias, as mágoas, as trocas, os jogos, o aprendizado, a escola… Berço do ser, a infância não deve ser o tempo de ligação ao quase-nada. Mas estas prendas são estrelas de qualquer árvore de Natal. Protagonista, o “smartphone” está no top, mas os acessórios áudio, as consolas, os computadores portáteis são igualmente presentes de excelência… Até os drones, valha-me Deus!, conquistam o coração dos fãs da alta tecnologia.
Controlar o acesso a determinados sites, limitar o tempo de presença perante o ecrã, são objetivos de pais. MAS concretizar tal desejo não está ao alcance de todos. Aos 14, 15 anos já reclamam independência, espaço de liberdade… e numa aprendizagem sindicalista, contestam, reivindicam e criam ambientes de cortar à faca se descobrem qualquer manigância no processo. De resto, percebem mais do funcionamento destas engenhocas do que a maioria dos pais…
Pregação não falta; elencam-se (com esta linguagem e tudo!) os problemas que o uso excessivo, sobretudo noturno, provoca, referem-se as noites mal dormidas, a consequente falta de concentração nas aulas, leem-se pareceres médicos… Acreditam lá nisso!!!
E o “smartphone” é despertador, agenda, memória, jornal, enciclopédia, televisão… o mundo no bolso. Uma maquineta mais importante do que quem-quer-que-seja. Serve para tudo? Para a amizade? Para o amor? Ouve os desabafos? Tranquiliza as relações? Apiada-se com a dor? Que é do contacto olhos nos olhos? Já há estudos e dissertações académicas que analisaram comportamentos e concluíram que quem é viciado nestes talentos… a performance amorosa deixa muito a desejar…
Confessei. Mais um ano (e cada vez é pior!) em que há prendas oferecidas com arrependimento antecipado. Uma PS 4, um “smartphone” e outros… dados por uma avó dão direito a por preto no branco o que pensa e teme. E depois de ter cedido, de me ter zangado comigo e autocriticado q.b., não se diga que não falei de flores…