Lopes Marcelo
Tempo de revisitação
Dizem que o tempo corre depressa ou, então, que fica parado enovelando-se nas circunstâncias do quotidiano. Contudo, há tantos tempos e contratempos, que o tempo em si mesmo não há quem o agarre, o mostre ou defina.
Há o tempo de correr, de saltar, de gritar e de silenciar. Tempo de partir e tempo de ficar. Tempo para questionar e tempo para acreditar. Tempo de (re) encontrar e tempo de separar e clarificar as águas. Tempo de pensamento e tempo de acção. Tempo exterior, medido, contrastado e tantas vezes controlado e imposto como moldura de limites e tempo interior, da orografia pessoal na cascata das emoções, pauta vibrátil da intimidade partilhada.
Tempo de viajar no intenso leito do rio da vida e tempo de conhecer e habitar as margens. Tempo de estar e conhecer o nosso lugar habitado, sem ânsia de mais tempo, pelo menos do tempo exterior e das coisas menos essenciais – é o tempo de ficar sentado, o tempo ancorado no que cada pessoa considera essencial, o que, em princípio. não deve ser muito, nem pesado, pois é ainda tempo da criativa conjugação do verbo “ser” já sem as partidas e demoras das insinuantes ânsias da conjugação do verbo “ter”.
Tempo do nosso lugar, diferente para cada pessoa, livre e reflexivo. Para mim, tempo de ficar aqui sentado na margem do rio da escrita, de ideias e palavras a borbulharem. E, nesse tempo sentado, investir na arguta e ilimitada capacidade e velocidade do pensamento e por ele revisitar a íntima galeria das memórias vividas. E não se pense que o tempo sentado é desperdiçado, ou corresponde a qualquer desistência ou renúncia. Antes, é um tempo de reflexão, de fundada auto-estima alimentada na revisitação e reformulação da pauta de ser – já sem necessidade, nem obrigação de se provar seja o que for e a quem quer que seja! É o soltar dos pássaros ao azul do jardim de dentro, pouco importando o tempo de fora. É o rio do pensamento que nos liga à nascente, da foz às nascentes, revisitando-as, revisitando-nos!
É o tempo do afecto, sem horários e sem compromissos ou obrigações institucionais. É o tempo dos valores, da amizade, da serena e mais solidária idade, pauta de maior disponibilidade e de voluntária celebração. Chamam-lhe terceira idade e, tantas vezes, é silenciada e depositada em grandes armazéns ditos Centros de dia ou Lares, à espera que o tempo decorra depressa sem tempo de verdadeira partilha nem revisitação. Terceira idade? Mas, de quantas idades? Vive-se cada vez mais, mas tal não significa que se viva melhor para além das condições materiais, de forma mais humanizada e feliz. Não seria de valorizar a interação entre as várias gerações e o convívio formativo pelo testemunho e exemplo das gerações com mais experiência? Diz-me e esquecerei! Mostra-me e lembrar-me-ei! Envolve-me e participarei! E, participando acreditarei!
Ora aqui está o núcleo de pedagogia de vida, essencial para todas as idades, quer no seio das famílias e no âmbito das escolas, quer nas mais variadas associações e instituições da nossa sociedade. Estaremos a ser capazes de revisitar e praticar aquilo que é essencial?