26 de julho de 2017

FERNANDO RAPOSO
SOBRE A TRAGÉDIA DE PEDRÓGÃO GRANDE É POIS TEMPO DE DAR A VOLTA A ISTO

Já não gosto do verão como gostava. Do tempo em que nos refrescávamos na ribeira mais próxima da aldeia, ou então, nos tanques e charcas das fazendas dos lavradores mais abastados. Do tempo em que o senhor Abel, guarda-rios, nos ensinava a mergulhar nas águas da Ribeira da Baságueda, ali muito próxima de Espanha. Do tempo em que ainda se viam, nos vales e serras da aldeia, rebanhos de cabras, que limpavam o “restolho”, deixado depois da ceifa e o pasto que crescia espontaneamente por entre os sobreiros e carvalhos que até então ainda cobriam os campos e lhes faziam sombra. Também havia pinheiros e eucaliptos, mas não muitos. Quando, porventura, o fogo se atrevia a devorar os campos, todos - velhos e novos, homens e mulheres - se precipitavam, em correria, e ao rebate do sino, empunhando enxadas, baldes e giestas, a combatê-lo. Naquele tempo o fogo era mais brando e depressa se deixava “mirrar” perante a determinação das gentes da aldeia.
Estou desejoso para que venham as primeiras chuvas de Outono e suavizem o “bafo” quente que ainda expele do ventre da terra queimada e acalme os ânimos das gentes revoltadas.
Este é um ritual que se repete a cada verão que chega, desde há, pelos menos duas a três décadas. Não fossem as vítimas do incêndio de Pedrógão Grande e ninguém se daria conta do flagelo dos incêndios que todos os anos destroem milhares de hectares de floresta, campos e bens e deixam o país mais pobre
Ninguém se daria conta do desânimo que se abate, todos os anos, sobre aqueles que teimam em resistir e em dar ainda alguma vida a muitos dos lugares e aldeias que se escondem por entre as matas densas de eucaliptos, a que alguém, apenas movido por interesses económicos e pela rentabilidade imediata, designou de “petróleo verde”.
Sob o fundo ruidoso das conversas de café, alguém insinua que a culpa é dos madeireiros ou dos tipos da pasta de papel e que o negócio do fogo movimenta milhões. Alguém me sussurra ao ouvido que a culpa foi de Cavaco Silva que se rendeu ao dinheiro da Europa, que daqui brotava às enxurradas e com ele se redimia da destruição da nossa agricultura.
Ao ler um apontamento de Pedro Nuno Teixeira Santos, sob o título Cada país tem os ministros que merece, a propósito de um artigo do Expresso, de 30 de Dezembro de 2006, e que tem por título “os melhores ministros dos últimos 30 anos”, compreendo melhor a eventual relação de cumplicidade entre um dos ministros elogiados, Engº Álvaro Barreto, e o empenhamento que teve na “eucaliptização” do país, enquanto ministro da Agricultura de Cavaco Silva, nos últimos anos da década de 80 do século passado, e a sua posterior entrada no conselho de administração da Soporcel.
Coincidência, direi eu! Ou talvez não, quem sabe?!
O Interior do país está a morrer.
Muitos abandonaram as terras à medida que os eucaliptos foram ocupando o lugar das hortas, pomares e vinhedos. Todos assistimos, impunemente, ao longo dos anos, ao abandono do interior, ao despovoamento de muitas aldeias. Todos nos resignamos e nos fomos conformando com esta fatalidade. Fecharam-se escolas e centros de saúde, o comboio e o autocarro já não vão a todos os lugares onde antes iam.
Todos somos culpados, pelo que não fazem sentido as acusações com que agora se digladiam alguns responsáveis políticos.
Que sentido faz, a líder do CDS, Assunção Cristas, pedir a demissão da Ministra da Administração Interna pela tragédia de Pedrógão Grande, quando ela, enquanto ministra liberalizou, em 2013, a plantação de eucaliptos e também ela e os seus pares de governo, encetaram, sem paralelo, um processo de destruição dos serviços do Estado.
É pois tempo de inverter o caminho que nos trouxe até aqui e que de uma vez por todas construamos os consensos necessários para que o interior do país seja um lugar de oportunidades como o do litoral.
É pois tempo de dar a volta a isto.

27/07/2017
 

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