29 de março de 2017

JOSÉ DIAS PIRES
OS CÃES DE FILA

Há uma palavra que ultimamente nos tem batido com insistência nas portas e janelas das nossas vidas: oportunidade.
Os aproveitadores utilizam-na para desenhar, em miragens, o oásis onde julgamos poder chegar. Acabam por aumentar apenas os nossos desertos, ao desconhecermos os custos da fácil tentação.
Janelas de oportunidade, portas de oportunidade: enganadores conceitos do «vem por aqui» que alguns disseram e dizem, com os olhos doces, estendendo os braços, como avenidas, escondendo as mais complicadas encruzilhadas que nascem das rotundas.
José Régio conhecia-os bem, e não caiu na tentação, preferia«escorregar nos becos lamacentos, redemoinhar aos ventos e arrastar os pés sangrentos para desflorar florestas virgens, desenhando os seus próprios pés na areia inexplorada.»
Ele amava o longe e a miragem, os abismos, as torrentes e os desertos…
E nós? Corremos o risco de ser apenas o objeto, o osso, para o qual concorrem os cães de fila, como nesta nova fábula que me enviou La Fontaine:

Resplandecente, o osso, estava no centro do salão. Acetinado, apetecível e perfumado em rosas era a inveja no círculo dos amantes do alheio. Por entre algumas pernas, focinhos de cão, orelhas caídas, caudas recuadas e patas duvidosas, temiam avançar, sem licença, para o meio.
Um dos caninos rosnou algo em surdina e os companheiros esticaram as “pendurezas”. Patas ao alto, todos saltaram para o colo dos donos, na ânsia de uma festa que lhes invertesse a sina de serem dos últimos a chegar-se às mesas onde, no fim, só migalhas restam dos abonos.
Encandeados pelo brilho do osso, os distraídos amos acariciaram cada um dos cães e, sem saber, transmitiram um errado sinal que os deixou num crescente alvoroço capaz de pôr em perigo quaisquer bens, quando à razão se opõe o instinto animal.
Mal informados, os cães de fila do evento, saltaram dos colos e o recinto invadiram, para à recompensa chegar em primeiro.
Por entre latidos, mordidelas e espavento poucos foram os cristais que não partiram e na sala nenhum cadeirão ficou inteiro.
Estavam muitos cães metidos nesta guerra e, como entre todos, só um cachorro era, foi este o que, sem ir à luta, o osso abocanhou.
Na confusão ganha mais aquele que não berra, não morde nem esgatanha, antes espera o tempo de ganhar o que sonhou.
Valha a verdade que se diga: era de gesso aquele osso que por todos fora apetecido e só estava ali para ser cenário.
Quem espera, de ilusão, construir o seu progresso arrisca-se que lhe saia ao sentido tudo aquilo que deseja ao seu contrário.

Há uma palavra que ultimamente nos tem batido com insistência nas portas e janelas das nossas vidas: oportunidade. Como se fosse apetitoso pernil assado de uma qualquer peça de caça! Cuidado com a publicidade enganosa de todas as feiras! Roam-lhe, por obrigação, o osso, aqueles que saborearam a carne.
Oportunismos?
Feiras de Vaidades.

29/03/2017
 

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