3 de maio de 2017

GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS
PASCOAES: PERSONALIDADE MARCANTE

No caso de Teixeira de Pascoaes (1877-1952), estamos diante de uma das personalidades mais marcantes da vida cultural portuguesa na primeira metade do século passado. Foi uma das figuras mais complexas e mais ricas da cultura portuguesa do século XX, tantas vezes mal compreendido e alvo de simplificações ilegítimas. Antes do mais, referimo-nos a um poeta dos mais influentes, mas simultaneamente tratamos de alguém que no movimento da «Renascença Portuguesa» e na revista «Águia» abriu a porta, muito para além do que subjetivamente poderia prever, para uma profunda renovação da vida cultural e literária portuguesa. Uma Renascença não poderia ser simples regresso ao passado, mas a consideração de que as nações pequenas só podem contrariar as tendências absorventes das grandes nações através do «carácter e originalidade do seu espírito criador». Pascoaes combateu, nessa linha, o estrangeirismo desnacionalizador e apontou a necessidade de cuidar da originalidade portuguesa – na confluência da herança europeia, céltica, greco-romana, germânica, e da influência de fenícios, cartagineses, judeus e árabes, tendo como pano de fundo o cristianismo. «Quem ler alguns dos nossos grandes escritores, sobretudo Camões e Bernardim, nos tempos antigos, e nos tempos modernos, Camilo e António Nobre, vê que a sua sensibilidade é, por assim dizer, dualista: tem alma e corpo; vibra ante a forma e o Espírito, ao mesmo tempo e com a mesma energia. Quero dizer: a emoção destes escritores nasce do contacto das suas almas humanas com a parte material e espiritual das cousas ou dos seres contemplados; e desses dois contactos resulta uma só impressão que é o seu sentimento». Daí a articulação, muito evidente em Pascoaes, entre o paganismo greco-romano (culto do corpo) com o Cristianismo judaico (culto do espírito). Unamuno fala, assim, da cultura portuguesa como um encontro do lirismo e da história trágico-marítima. E a Renascença Portuguesa enquanto impulso para diversos caminhos vai aprofundar, através da geração de 1890, o que os homens de 1870 tinham desejado e aquilo por que tinham lutado. Se lermos bem «As Causas da Decadência dos Povos Peninsulares» de Antero de Quental, facilmente percebemos que as suas preocupações pressupõem uma ideia de «Renascimento». A noção de decadência aí não é um caminho sem saída, é um apelo a que o sebastianismo (prova póstuma da nacionalidade) não se torne um reconhecimento de impotência, dando lugar a uma vontade libertadora. Não se esqueça, pois, que a resposta de Pascoaes não é exclusiva, ao lado dela temos o modernismo de «Orpheu», com as suas diversas «nuances», de Alberto Caeiro e Álvaro de Campos até ao ortónimo de Fernando Pessoa, sem esquecer Mário de Sá-Carneiro, Almada Negreiros e etc., e depois a «Presença» e o riquíssimo movimento poético dos mais jovens (os «Cadernos de Poesia» e o que se seguiu) e a «Seara Nova», nas suas várias sensibilidades, de Sérgio, Cortesão, Proença até Raul Brandão. Dir-se-ia que a renovação ansiada por Pascoaes veio a realizar-se da maneira fecunda, multiforme, plena de diferenças e complementaridades, com um programa aberto e ciente de que o novo tempo obrigaria a cultivar o sentido crítico, a compreensão dos mitos para além de uma lógica redutora.
Pode dizer-se ainda que o «heterodoxo» Eduardo Lourenço irá compreender que o sonho e o mito deveriam estar presentes e não poderiam ser esquecidos ou subalternizados – antes tendo de funcionar, não como explicação retrospetiva, mas como ligação necessária entre a sensibilidade e a racionalidade. A aventura poética e espiritual preconizada por Teixeira de Pascoaes tornou-se, assim, um desafio não redutor. E Jacinto do Prado Coelho refere que o uso da ironia pelo poeta (em especial nas últimas obras) visava «corrigir a excessiva convicção com que se acredita, nimbar a fé ou o mito duma lógica dinamizante, (…) e, por outro lado, denunciar o ridículo de tudo quanto, no homem, é hirto, convencional, tacanhez e rotina». Quando Mário Cesariny de Vasconcelos considera Teixeira de Pascoaes como poeta maior do nosso Olimpo acima de Fernando Pessoa, quando António Sérgio grande crítico do saudosismo não deixa de reconhecer o talento indiscutível do poeta ou quando o próprio Fernando Pessoa coloca o poeta num lugar proeminente – na «busca de uma Índia nova, que não existe no espaço e em que as naus são construídas ‘daquilo que os sonhos são feitos’» - muitos põem o autor de «Marânus» num lugar especial nas letras portuguesas. E Eduardo Lourenço afirma que «o verbo de Pascoaes rasura ou dissolve a nossa pequenez objetiva, onde enraízam todos os temores pelo nosso futuro e identidade, instalando Portugal, literalmente falando, fora do mundo e fazendo desse estar fora do mundo a essência mesma da realidade» - não havendo na nossa literatura diálogo-combate mais fundo e complexo que o que entrelaça as aventuras poético-espirituais de Pessoa e Pascoaes» (cf. «O Labirinto da Saudade»). A poesia é conhecimento, filosofia, religião, profecia e o seu universo imaginário pressupõe uma «multiplicidade de centros de forças». E assim, para Maria das Graças Moreira de Sá (in «O Essencial sobre Teixeira de Pascoaes», INCM, 1999), estamos perante um poeta da sombra, mais do que do dia claro ou das trevas. Daí ter de se entender a saudade não como um estereotipo simplificador, mas como uma encontro complexo de elementos contraditórios e paradoxais. Trata-se de um sentimento simultâneo de falência e de plenitude. Duarte Nunes do Leão fala sobre a saudade de lembrança de alguma coisa com o desejo dela e Garrett liga um gosto amargo ao delicioso pungir… A saudade é necessariamente contraditória. E que é a vida? «Para agir é preciso ser antes de tudo». Há, pois, um caminho que envolve a compreensão da abertura e da complexidade, do sentimento e da razão, de modo que se possa ir à conquista do Futuro… Tendo procurado encontrar o fundo do nosso espírito e reclamando uma «Renascença», essencialmente prospetiva, como Vieira falara de saudades do futuro, Pascoaes pôs em funcionamento uma espécie de lâmpada de Aladino, deu asas à sua imaginação poética, reclamou a força criadora, explorou o sentimento complexo da saudade, mas de facto pôde fazer da revista «Águia» uma incubadora da inovação cultural…      

03/05/2017
 

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