5 de abril de 2017

VALTER LEMOS
QUEM TRABALHA MAIS?

As polémicas declarações do ainda presidente do Eurogrupo acerca dos gastos em “mulheres e copos”, dos países que pediram ajuda na sequência da crise financeira dos últimos anos, levantaram vários demónios e originaram reações diversas por essa Europa fora. Não foi a primeira vez que responsáveis políticos fizeram afirmações com sentido semelhante, mas, agora pensava-se que, estando a crise quase ultrapassada, tais afirmações anteriormente feitas não teriam passado de reações, pouco refletidas, ao aparecimento da crise. O senhor Dijsselbloem veio agora mostrar que, afinal, não eram meras reações irrefletidas mas, ao contrário, parecem corresponder a um pensamento profundamente enraizado em muitos responsáveis políticos e numa parte significativa da população europeia.
A ideia de haver uma Europa do Norte mais trabalhadora e uma Europa do Sul mais preguiçosa parece, pois, estar enraizada. Não só nos europeus do norte, como o senhor Dijsselbloem ou o senhor Schauble, mas, também nos europeus do sul. Bastará lembrar o discurso de muitos políticos e comentadores portugueses durante a crise, culpando os próprios portugueses da mesma, por trabalharem pouco e gastarem muito.
Tal discurso introduz uma dimensão moral na questão política, tornando “justa” a desigualdade e criando um estado moral superior para uns (como bem demonstram as estúpidas declarações de Dijsselbloem) e uma situação de “culpa” para outros (os habitantes dos países do sul).
No fundo é a matriz de pensamento habitual da direita neoliberal (não confundir com o velho liberalismo ou a democracia-cristã) sobre a pobreza e a riqueza. Os ricos são ricos porque trabalham e os pobres são pobres porque não trabalham, tornando-se assim as assimetrias socioeconómicas não só inevitáveis como “moralmente justas”!
Ora, a simples experiência de vida de cada um é suficiente para contrariar tal filosofia. Todos conhecemos pessoas que trabalham imenso e que continuam pobres e pessoas que nunca fizeram nada na vida e continuam ricas. Tal acontece, como sabemos, porque nas sociedades de mercado, como aquela em que vivemos, por um lado, há outros fatores de riqueza mais significativos do que o trabalho e, por outro, o valor económico dos diversos tipos de trabalho é muito diferente.
No caso dos países a situação é semelhante. Relacionar a riqueza dos países somente com a quantidade ou os hábitos de trabalho dos seus habitantes é pura e simplesmente tentar justificar uma desigualdade através de uma moral enviesada e enganadora.
Como se pode ver no quadro seguinte, com dados da OCDE, a Holanda (do senhor Dijsselbloem) e a Alemanha (do senhor Schauble) são precisamente os países onde cada trabalhador faz menos horas de trabalho por ano e Portugal e a Grécia estão entre os países onde se trabalha mais.
Claro que face a tais dados, frequentemente, a argumentação muda dizendo que nos países mais ricos trabalham menos horas, mas são mais eficientes.
Pois. Mas esse argumento, que parece mais explicativo da realidade, já nada tem a ver com a moral do argumento anterior. Podemos relacionar a riqueza ou a pobreza com a eficiência económica, mas, não com o facto de as pessoas trabalharem mais ou menos e ainda menos com a atribuição de rótulos de “trabalhador” ou “preguiçoso” a um povo, um país ou uma sociedade inteira. Essa é a estratégia do racismo e da xenofobia e o que o episódio de Dijsselbloem mostra é que, mesmo políticos que se dizem social-democratas ou socialistas estão lamentavelmente comprometidos com tais argumentos e tais visões da Europa.
Dijsselbloem merece ser corrido do lugar que ocupa (e se tivesse decência política já se teria demitido), mas, isso não resolverá o verdadeiro problema. E esse é o de a política europeia estar fortemente influenciada por ideias perigosas para o próprio significado e identidade da construção europeia.
Não se combatem ideias racistas e xenófobas incorporando-as no discurso político e incensando o nacionalismo através da desvalorização dos outros países.

05/04/2017
 

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