8 de novembro de 2017

Antonieta Garcia
TERMAS EM OUTUBRO E DUAS MULHERES…

O sol de outubro queimava ainda. A estância termal, pertinho de Nelas, mantinha tratamentos até 15 de Novembro; era necessário partir e aproveitar algo parecido com férias a bem da saúde, mesmo com muito calor.
É um tempo peculiar, o das termas; casa-se a tranquilidade com conversas sobre isto e mais aquilo… nada de importante. Partilha-se um espaço limitado; come-se, dorme-se e descansa-se de não fazer nada (também cansa!), no hotel; frequenta-se o mesmo balneário… Observa-se tudo ao pormenor, vão-se apreciando tiques e hábitos, detetam-se manias, desvendam-se e avaliam-se figuras/personalidades mais e menos interessantes.
Olha aquele casal pouco falador! Não por ela, fiel seguidora de Eva, que à falta de melhor até com a serpente falou. Deu no que deu. Melhor era que ficasse calada? Não sei. Ela tentava, puxava pelas palavras, mas ele era macambúzio, ensimesmado, arreliado a tempo inteiro…, e com uma caraterística excêntrica: não comia nunca o prato principal… Acusava a mulher de escolher mal. Ela insistia com uma paciência de Job: - Mandamos vir outra coisa, experimenta que está bom…
Vezes sem conta diligenciou convencê-lo. Falava baixinho, muito baixinho, muito calma… Ainda assim, não tardava que o prato vazio voasse rasteiro para o lado. Depois da sopa, só as sobremesas valiam. Aí desforrava-se. Calorias e calorias em carradas, sem uma frutinha para aliviar, eram degustadas com prazer, até ao fim. Saboreava, sem falar, deliciado. A barriga tão em fim de gestação crescia mais. O mau feitio regressava, explicitamente, ao rosto, quando acabava doces, farófias, pudins, gelados em conjugações várias... À mesa, a cena repetiu-se, repetiu-se, repetiu-se. Os episódios eram iguaizinhos…
- Pobre senhora! comentava-se. Tem ali um apostolado bem difícil de gerir…
Um dia, surpreendeu e explicou bem alto: Não gosto de comer nesta sala! Prefiro a outra…
- Esteja à vontade. Escolha a sala que quiser. Enquanto houver lugares…
A funcionária devia conhecer a peça de anos anteriores, e sacudia como podia um previsível azedar da situação a qualquer momento.
A ela tanto se lhe dava e o casal mudou-se. Na primeira sala, nem o cozido à portuguesa, nem a corvina cozida, nem um qualquer peixe grelhado, ou uma vitela de Lafões…se afeiçoavam ao paladar da criatura…
Um dia, cruzámo-nos na outra sala. De novo, o prato abarrotava de doçarias. O que teria comido antes? Manteria as esquisitices, ou era a sala, tão irmã da outra, que lhe tirava o apetite? Ele estava sempre só.
Noutra mesa, ao lado, um par mais ou menos outoniço, não se calava. Quando tinham dito tudo um ao outro, ela apelava aos vizinhos palavras que saciassem o gosto de comunicação imparável. Um dia anunciou:
- Vamos embora amanhã!
- Então!?
- A farmácia vai entrar de serviço no fim de semana… E ele também tem de tomar posse.
- É político?
- Foi eleito secretário da Junta pelo PS. Já lá estavam! Mas todos dizem que se foi eleito a mim mo deve!
- A senhora é de que Partido?
- De nenhum. Não me meto nessas confusões…
Incoerência no discurso? E isso que importa? Todos entendemos. O marido era o seu Partido! Ponto. Ele ia sorrindo… Com paciência? Desistindo de qualquer discussão? Achando piada à desenvoltura da companheira? Concordava?
Tirámos a prova dos nove pouco depois. A genica e a determinação eram dela, não havia dúvidas. Os recentes e malditos incêndios tinham queimado a possibilidade de ver televisão nos quartos. Naquela noite havia futebol. Funcionavam unicamente os televisores do salão do hotel e o do restaurante; Quer homens, quer mulheres, sem internet, sem telemóveis… pretendiam fruir o único entretenimento que sobrara. Decidiu:
- Eles ficam a ver a TV no restaurante. Já cá estão. As mulheres vão para o salão do hotel!
Recebeu réplicas.
- São todos do Benfica ou do Sporting, mas eu sou do Porto e também quero ver o meu clube!
- Partem ao meio; uns veem a primeira metade; os outros a última…
Não ficou sossegada! Aquela de ver “meio jogo” podia não resultar. Viu movimentos. Dissuasora, acrescentou:
- Escusa de ir para o salão porque já lá estão mulheres a guardar!
Certo é que venceu! Homens ao futebol; damas à telenovela. Perseverança e estratégia não lhe faltaram. Aí, tornei-me crente nas palavras da senhora: o marido contara, com toda a certeza, com aquela revolucionária na eleição para a Junta.
O portista, isolado, resignou-se. Mas sobre o assunto, não se ouviu mais um pio.

08/11/2017
 

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