Valter Lemos
OS DESAFIOS DUMA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA LONGA
Portugal é um dos países europeus (e mundiais) com a escolaridade obrigatória mais longa. Em comparação com os demais países europeus Portugal foi pioneiro na adoção da escolaridade obrigatória. Na verdade, a escolaridade obrigatória é legislada pela primeira vez em 1844 por decreto de 20 de setembro do governo de Costa Cabral. No entanto, o desenvolvimento do sistema educativo em Portugal não ocorreu com a mesma precocidade das intenções políticas e legislativas. Apesar da precocidade legislativa, Portugal foi um dos países europeus que mais tardiamente efetivou uma verdadeira escolaridade obrigatória e também mais tarde iniciou o processo de democratização do acesso à educação.
Assim, a construção retórica do sistema educativo português no século XIX, seguida do longo período político salazarista do Estado Novo, conduziu a que no final dos anos 50 do século XX, quando se iniciaram os movimentos de democratização ou massificação escolar a situação portuguesa fosse de grande atraso na efetivação da escolaridade obrigatória quer em duração quer em dimensão da mesma.
Na década de 70, já após o 25 de Abril em Portugal e após os grandes movimentos de alargamento da procura social da educação em toda a Europa e de democratização e massificação dos sistemas educativos, Portugal tinha não só a escolaridade obrigatória mais curta na Europa como uma das mais baixas taxas de escolarização.
O país tem agora a mais longa escolaridade obrigatória da Europa. Numa breve análise da situação dos diversos países, quanto á duração da escolaridade obrigatória, obtemos a seguinte situação:
9 anos – 14 países (BE, BG, CZ, DE, EE, HR, LT, AT, SI, FI, SE, LI, ME, RS)
10 anos – 13 países (DK, DE, IE, EL, ES, FR, IT, CY, PL, SK, BA, IS, NO)
11 anos – 5 países (LV, HU, MT, RO, UK)
12 anos – 3 países (LU, PT, TR)
13 anos – 1 país (NL) (Na Holanda a obrigatoriedade inicia-se aos 4 anos de idade)
Deve referir-se que tais alongamentos das escolaridades obrigatórias não são inteiramente consensuais, havendo dúvidas que apontam para alguns riscos. Entre eles são relevantes o que refere que tal situação pode conduzir a uma representação social da educação como um dever e não como um direito, com consequências para o desenvolvimento de uma atitude de resistência em alguns indivíduos e em alguns grupos sociais. Outro aspeto é o que se refere à desresponsabilização das famílias e dos alunos nas escolhas de vida. Também a acentuação da mas-sificação escolar e consequente desvalorização da escola como instrumento de promoção social é apontada como um risco importante no alargamento.
Assim, a idade dos alunos coloca novas questões às relações escolares, acompanhamento e orientação escolar e profissional pois há percursos anteriores mais extensos e maior maturidade dos envolvidos. Às escolhas das famílias juntam-se, agora com maior peso, as escolhas dos próprios alunos, que, muitas vezes, especialmente nas famílias com maior debilidade socioeconómica ou sociocultural, constituem verdadeiramente a única escolha. A escolaridade obrigatória longa torna-se uma gaiola dourada para muitos alunos e os processos de exclusão escolar ganham maior resiliência e os progressos obtidos não tornam a missão mais fácil, porque apesar dos excluídos serem menos a sua inclusão é cada vez mais difícil.
Assim a instituição de efetivos dispositivos de acompanhamento de alunos, o reforço do papel organizacional e pedagógico dos diretores de turma e diretores de curso, a criação de tutorias reais e efetivas e o desenvolvimento de um sistema de incentivos à diplomação parecem ser medidas indispensáveis.
Por outro lado, torna-se urgente a institucionalização de um verdadeiro sistema de orientação escolar e profissional, com professores e técnicos especializados em todos os agrupamentos e escolas e articulado numa coordenação nacional entre o Ministério da Educação e o Ministério do Trabalho.
Mostra-se também necessário um alargamento das formações em alternância (no ensino secundário) e em contexto de trabalho através de acordos escola/empresa, validação de formação nas empresas e criação de novos tipos de escolas (empresariais, municipais, etc.) e finalmente a criação de alternativas de escolaridade em part-time, à semelhança do que existe, aliás noutros países.